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Chapter 1

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Chapter 1

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A Poente Sacerdotisa do Rito de Rizzard conduzindo a Cerimônia do Crepúsculo

Rizzard, 1320

- Por favor senhora! Eu eu fiz tudo que sugeriram... o que mais, o que mais devo eu fazer? Minha adoração por Nossa Dama é maior que... que meu amor por minha própria vida! - Diz a senhora se jogando dramaticamente de joelhos aos pés da exuberante sacerdotisa. Suas mãos levantadas em súplica.

Relutantemente a Poente Sacerdotisa para sua caminhada. Elegantemente ela vira-se para olhar a senhora ajoelhada atrás dela e sinaliza para as duas mulheres encapuzadas que a seguiam para não interferirem. Além destas duas mulheres em vestes pretas, três jovens sacerdotisas recém iniciadas a acompanhavam mais atrás, e agora, todas pararam envolta da suplicante. Com uma expressão serena, a sacerdotisa analisa a mulher, observa suas roupas simples, mas apropriadas e devidamente harmonizadas com seus cabelos e ornamentos.

- Vejo o resultado da influência de minhas adeptas em você, Ortensia.

A mulher levanta seu rosto lentamente, enquanto percorre com admiração cada trecho do magnífico Manto do Crepúsculo que adorna a silhueta atraente da sacerdotisa. Seus cabelos vermelhos, longos e ondulados emolduram e destacam a pele alva de seu rosto como a porcelana das mais belas e caras bonecas Bollani expostas na Travessa Alvorada. Por um instante, a mulher desnorteada encara os olhos azuis hipnotizantes da Enviada do Sol Poente. Ao perceber sua indiscrição, ela rapidamente desvia olhar para o chão.

- Obrigada Magnífica! Eu eu... eu estou sem palavras... Isso significa que agora eu terei uma chance?!

A Suma Sacerdotisa suspira, mas mantém seu semblante sereno enquanto utiliza um tom de voz complacente – Nox é a mãe de todas as mulheres – com um gesto suave, as pontas de seus dedos encostam sob o queixo da mulher e o elevam até que seu rosto encare novamente seus olhos – mas, por meio de seus mistérios, ela define o que será de cada uma...

Uma das encapuzadas, inadvertidamente se movimenta para a lateral da Poente esbarrando suavemente nela e a interrompendo por um instante.

A sacerdotisa desvia o olhar para a mulher que a atrapalhou para demonstrar sua reprovação, mas no mesmo instante retorna sua atenção a mulher ajoelhada – Umas serão escolhidas como suas vassalas e carregarão seus desígnios reinando sobre homens... e outras serão suas enviadas para guiar essas vassalas para sua salvação – Ela termina sua frase analisando o rosto pouco atraente e castigado por uma vida árdua de sua fiel. Seu semblante agora transparecendo desdém – Esta é a última vez que teremos esta conversa, você consegue me entender?

Relutantemente, Ortensia desvia o olhar e balança a cabeça em concordância.

- Ortensia, eu quero ouvir as palavras de sua boca – seus dedos agora firmemente segurando o queixo da mulher, ela guia novamente o rosto dela até que seus olhos voltem a encará-la.

- Sim... quero dizer, não! Não irei mais importuná-la com isso minha senhora... me perdoe, por favor! Você é o que há de mais importante para mim, apenas abaixo Nossa Grande Mãe!

- Muito bem, então vá e dê-me motivos para sentir orgulho, Ortensia. Siga os desígnios de Nox e mostre para o mundo o que uma fiel vassala de Nossa Senhora é capaz.

A Poente sinaliza para as jovens iniciadas ajudarem a mulher a se levantar e elas começam a guiá-la para fora do corredor.

Após elas saírem de sua visão, ela vira para a mulher que a atrapalhou – o que foi isso?! Esperava mais de vocês do que duas desajeitadas.

-Desculpe-me Magnífica por meu desequilíbrio - a mulher de preto responde em voz um pouco mais alta que o necessário e, em seguida, aproxima-se dela e sussurra – temos um visitante escondi...

- Atrás da tapeçaria do corredor – a sacerdotisa interrompe a mulher – isso apenas aumenta minha decepção com as guardas que Teodor escolheu para mim – ela continua com tom de desapontamento – eu percebi que havia alguém ali enquanto entrava no corredor.

Neste momento uma mulher com um capuz cinza azulado sai calmamente de traz da tapeçaria – Vejo que os rumores não chegam perto do que realmente é a pessoa! – sua voz exalta admiração, mas ao mesmo tempo sua fala é suave e macia – durante anos eu quis conhecê-la, mas a vida é repleta de contratempos, não é?

- Inúmeras mulheres me procuram todos os dias. Se o que busca é falar comigo, espere o seu tempo, pois o meu é limitado demais para se encaixar à agenda dos outros – sem aguardar uma resposta, ela começa a caminhar em direção a seus aposentos.

- Então tudo bem. Talvez amanhã uma de suas adeptas deixe meu recado com você antes de eu sair da cidade, mas para te ajudar a identificar ele entre tantos outros, eu assinarei Lanna’ir nele.

Paralisada ao ouvir o nome, a Poente fica em silêncio. De costas para Lanna’ir, ela precisou deste tempo para ocultar a expressão de espanto de sua face – meninas, peço que me deixem a sós com minha visitante.

Ambas as acompanhantes, que até então usavam suas posturas mais intimidadoras para impedir a aproximação da sorrateira visitante, olham para a sacerdotisa sem ação, completamente surpresas. Porém elas sabem que não devem questionar a esposa de Teodor, para o próprio bem delas, e começam a sair de lá, mas sem cerimônia espreitam a mulher estranha até finalmente se retirarem do corredor.

Agora recomposta e novamente ostentando seu habitual semblante de serenidade, a sacerdotisa começa a retornar na direção da visitante e, enquanto se aproxima, a vê retirar o capuz. Suas orelhas pontudas são pequenas demais para serem confundidas com a de uma elfa e seu belo rosto é ligeiramente mais angular do que o da maioria das mulheres humanas, porém ela percebe a semelhança com seu próprio rosto, mas o que a faz parar no meio do caminho são os olhos, pois eles são idênticos aos seus próprios, como se estivesse olhando para um espelho.

Lanna’ir não esconde o sorriso – Se não fossem minhas belas orelhas pontudas e esse seu invejável cabelo ruivo, não teria um que não diria que somos irmãs gêmeas.

- Mas nenhum diria que é minha avó.

 

 

Castelo Kilenstern, Elisburg

Elisburg, 1303

Relâmpagos cortam a noite. O vento forte carrega folhas e poeira para todos os lados. As pessoas nas ruas abaixo se apressam para se abrigarem antes da tempestade. Indiferente à confusão a sua volta, ele apenas observa a torre mais herma do castelo, acessível apenas pelo estreito adarve onde ele aguarda.

- Senhor Brynjolf – chama um de seus homens de trás da porta a suas costas – Sei que pediu para que todos se retirassem desta ala do castelo, mas tenho a obrigação de informá-lo que durante tempestades nenhum guarda fica a postos nesta ponte. Não desde que um raio tirou a vida de um deles aqui há pouco tempo.

- Eu sei disso. E por isso você não deve ficar... – Brynjolf é interrompido pelo som ensurdecedor de um trovão que reverbera pela estrutura, um raio deve ter atingido outra parte do castelo, e, após o estrondo, o som de botas descendo correndo as escadas foi o sinal de que finalmente o último de seus homens havia deixado esta ala.

Não demora muito para a chuva começar. Rajadas de vento começam jogar a água violentamente sobre ele, porém lá ele permanece, imóvel. Seu olhar travado na porta da torre.

 Após outro trovão, os gritos começaram. Com todo o caos da tempestade, poucos conseguiriam ouvir os gritos, mas para sua agonia, ele os ouvia claramente e, além disso, ele ouvia os clamores dela para que isso parasse, mas em vão, pois os gritos e os clamores apenas se intensificavam. A agonia crescia ao mesmo tempo que a tempestade piorava, mas o tempo parecia parado, preso naquele momento interminável. Os clamores começaram a transformar-se em súplicas para que Hekat a levasse, terminasse com aquele sofrimento.

Brynjolf permanece lá. Imóvel. Porém, agora seus punhos estavam cerrados, cada vez com mais força, cada segundo com mais raiva, até que suas unhas começaram a entrar em sua pele. Mais um grito. O clamor por ajuda agora tão doloroso e desesperado, que o impeliram a andar na direção da porta inconscientemente. Ele se segura, e vira as costas para a torre.

- Nox! – ele grita - Isso é minha culpa e eu sei disso! Mas por quê? Por que ela? Deveria ser eu amaldiçoado, não ela!

Apoiando-se no parapeito, ele cai de joelhos. A chuva jorra por seu rosto, gelada. A dormência da água fria, apenas acrescentava a sensação de que aquilo era um pesadelo, interminável. Ela grita e ele grita, finalmente o fazendo perder o controle. Impulsivamente ele levanta-se correndo em direção à porta da torre e invade local e lá, ele a vê joelhada ao centro da torre, seus cabelos negros encobrindo totalmente sua face. Suas mãos, agarradas ao chão, sangram pela força que ela faz, como elas a segurassem de cair em um abismo. A sua volta símbolos arcanos e objetos ritualísticos de aparência macabra tornam a cena ainda mais perturbadora.

- Marly!

- Brynjolf, não! – ela levanta sua mão, como se fosse impedi-lo de entrar, mas ao fazê-lo um arco de energia pura dispara de sua mão em direção a ele.

Em uma velocidade surpreendente, ele salta para sair da direção do arco, mas em vão. A energia curva-se instantaneamente e o alcança no mesmo instante, jogando-o contra a parede com violência.

Marly corre até ele, mas antes de chegar nele, ela hesita. A energia ainda pulsa em arcos, correndo por ele e pela parede. Ela olha para suas mãos, com medo de que outro arco de energia saia contra ele, mas ela não sente nada, nem mesmo a dor agonizante de segundos atrás.

Brynjolf tosse e se contorce no chão. Marly se joga de joelhos e coloca a cabeça dele sobre seu coloco. Os cabelos molhados dele enxarcam seu vestido – me desculpa Bry! Por favor, por favor! – Ela chora enquanto se agarra a ele – por que você entrou aqui? Ela avisou você! – ela se engasga com seu choro - Acorda por favor! Não me deixa sozinha, você é tudo que tenho...

Brynjolf coloca a mão no rosto dela e ela finalmente percebe que ele a está acordado olhando para ela.

- Você está bem?!

- Eu não – a tosse o interrompe – eu não diria que estou bem – ele sorri para ela.

- Por que você entrou?! Você poderia ter morrido! – realizando o ocorrido ela se levanta desajeitadamente com pressa, derrubando Brynjolf novamente no chão.

-Aí!

- Você é louco? Nós tínhamos um acordo! Pela primeira vez isso ocorre sem a Sada por perto e é isso que você faz?! – com a voz alta e trémula, ela começa a caminhar de um lado para o outro do claustrofóbico cômodo da torre.

Brynjolf levanta-se com dificuldade – Isso não importa.

- O que?!

- Isso não importa.

- Como assim?

- Você está bem agora – Ele a segura pelos ombros e olha em seus olhos – isso é tudo o que importa.

Neste momento, com o olhar fixado um no outro, finalmente o mundo em volta silencia. Eles se aproximam lentamente e se beijam. Rapidamente, aquele o beijo se intensifica e inflama eles. Brynjolf a encosta contra a parede e Marly começa a arrancar as roupas molhadas dele enquanto ela a beija apaixonadamente. Ambos são levados pelo ardor do momento, eles perdem a noção de quanto tempo se passou.

Exauridos no chão eles permanecem em silêncio até Marly finalmente falar – Por Nox, o que nós fizemos?! Bry você é como um irmão para mim! – Ela se levanta apoiando-se contra a parede, ainda exausta, mas agora desesperada por outro motivo.

- Marly, há um tempo eu tento te dizer isso. Eu não te vejo como uma irmã.

- Como assim?! Nós fomos criados juntos! – Sua voz exaltada, mas ainda sem folego.

- Sim. Mesmo assim, eu não consigo parar de pensar em você.

- Eu também não consigo, mas é porque eu te vejo como irmão – ela começa a se arrumar.

- Irmãos não fazem o que fizemos.

- Justamente Brynjolf! Nós não deveríamos ter feito e isso foi um erro! Você não deveria ter entrado aqui – ela diz com raiva saindo da torre.

- Marly, não vá. Nós precisamos conversar.

Ela não olha para trás e sai da torre em direção ao castelo.

 

 

Área rural e a cidade de Lantir

Lantir, 1304

Uma tarde rara, por certo. A brisa ainda fria carregava a lembrança do inverno em contraponto ao calor do sol que já prenunciava o verão que estava por vir. Os campos de Lantir já ostentavam todas as suas cores, uma demonstração nada tímida de seu esplendor. Contudo, esta paisagem em nada mais servia do que como moldura, um mero adorno, à beleza de Edelin. Não seria uma surpresa se os pássaros neste momento apenas estivessem ali como um coral para exaltar seus encantos desta bela jovem aos seus admiradores.

Edelin sorri em resposta ao olhar arrebatado de Mortimer, completamente absorvido em observá-la, ao ponto de que, acanhada, começa a servir vinho a seu pai, sem reparar que sua taça já havia sido cheia além do limite, derramando o excesso direto nas roupas dele.

- Sua desastrada! Ah! Veja o que fez... como pode ser tão imprestável?!

Por certo uma tarde rara, perfeita aos minúsculos detalhes, com apenas uma exceção, monsieur Regnault Moisson.

- Regis, deixe-me o ajudar, querido – rapidamente sua esposa, madame Gisa, corre para auxiliá-lo – não vamos abalar este maravilhoso...

- Sua filha como sempre! Por Unos! – Ele engole o que o vinho que restou, ou seja, a taça cheia. Após se recompor, ele alcança o que restou do carneiro sobre a mesa e, comendo, começa a andar – Venha Mortimer, não irei deixar que estraguem essa tarde... vejo que trouxe seu arco como havia combinado.

- Devidamente – Mortimer responde, mas seu olhar ainda travado a Edelin, ele acena para ela com um sorriso apaziguador e a reassegura que está tudo bem. Ele Levanta-se e pega o objeto cuidadosamente embrulhado em panos que estava ao seu lado.

Um dos servos chega correndo com duas aljavas repletas de flexas e dois arcos longos. Não eram instrumentos de caça e sim armas de guerra, de boa qualidade. Sem cerimônia, Regnault puxa ruidosamente as armas das mãos do homem e entrega um arco e uma aljava a Mortimer – leve estes aqui. Hoje verá o que é um equipamento de qualidade –com um gesto desdenhoso, ele dispensa o serviçal.

- Vão e divirtam-se. Quando voltarem estaremos aguardando próximas a lareira – diz Gisa com seu sorriso amável, mas Regnault, se ouviu, não se manifestou.

Edelin, ainda desconcertada, apenas acena para Mortimer, que a responde com um aceno carinhoso.

- Como eu estava falando antes de ser interrompido – Regnault recomeça a conversa enquanto guia seu convidado para a parte mais distante do magnifico jardim que cerca sua casa na fazenda – estas terras estão na minha família por gerações. Minha bisavó era uma Ole'Lantir – seu peito estufa ao pronunciar o sobrenome, tamanha a ênfase.

- Ole'Lantir? Impressionante. Então faz parte da nobreza?

- Podemos dizer que sim – tamanho o orgulho em suas palavras, que, se fosse possível ver as palavras, elas estariam escorrendo por sua boca.

Ao final da caminhada, eles chagam a um campo aberto, longo, de gramado verdejante, cuidadosamente preparado. Três alvos para prática de tiro com arco estavam armados ali, cada um mais distante que o outro, sendo o último a uma distância que apenas arqueiros experientes saberiam como acertá-lo.

- E finalmente chegamos. Como eu havia prometido, e sou homem de palavra, o melhor campo de tiro que já viu – sem perder tempo e com a habilidade de um veterano, ele encrava algumas flechas ao chão, se posiciona e atira contra o segundo alvo, a meia distância, acertando-o no círculo mais próximo ao círculo central – ah! O vento e o vinho, uma combinação que embaraça até os melhores arqueiros.

- Um bom tiro ainda sim.

- Apenas estou aquecendo. Pegue este arco e mostre o que sabe fazer, mas não atire no alvo mais próximo – ele o subestima – este é para as crianças apenas.

Sem pressa, Mortimer apoia seu embrulho contra a árvore, sem nenhuma habilidade encrava algumas flechas no chão, mas a maior parte delas falham em fincar e caem sobre o chão. Ele prepara o arco que lhe foi emprestado, mas suas vestes negras e longas o atrapalham e ele puxa as mangas para trás, revelando um pouco de seus braceletes.

- Como em uma tarde tão agradável, um se veste com roupas de inverno? Já estava ao ponto de oferecer as roupas de um dos meus garotos, só não o fiz, pois seria deselegante – o monsieur diz balançando a cabeça em desaprovação.

Ignorando o comentário, Mortimer atira contra o segundo alvo, atingindo-o em seu círculo mais distante do centro, por pouco não errando o alvo por completo.

- Ah! De fato! – diz Regnault quase que triunfante - Quando Edelin contou que quando o conheceu no bosque havia sido porque uma de suas flechas passaram zumbindo por uma de suas orelhas, eu havia estranhado a história, mas posso constatar que de fato é tão desajeitado quanto ela. Unos concedeu um milagre naquele dia. Impressionante ela estar viva e ainda exibindo duas orelhas!

- Foi uma falha... não sabia que tinha mais alguém naquele momento por lá, achei que era um cervo. Mas, posso garantir que não sou desajeitado com o arco, apenas não gosto de atirar sem objetivo.

Este comentário chama a atenção de Regnault - Agora sim! Estamos começando a nos entender, rapaz. O que me diz de uma moeda de ouro para cada rodada para aquele que a flecha ficar mais próxima do centro?

- Não sei... parece inapropriado para o monsieur, acredito que isso irá desmotivá-lo. Vamos fazer por dez moedas então.

- O que? - Regnault é pego de surpresa – Não sabia que poderia dispor destes meios. Saiba que não pegarei leve só porque a tola da minha filha se deixou levar por sua lábia, rapaz.

- Não espero nada menos.

Mortimer retorna para o seu embrulho apoiado na árvore e retira seu arco.

Regnault rapidamente percebe – Um arco élfico? Estou começando a entender sua natureza, rapaz. Vejo que é um jogador e estava escondendo seu trunfo este tempo todo – Ele se aproxima para ver o arco - Saiba que eu mesmo já tive um destes – ele se apoia na árvore para contar sua história - Há muitos anos, antes mesmo de conhecer minha Gisa, alguns elfos da Floresta Riaard estavam matando o rebanho de alguns fazendeiros localizados mais próximos da floresta. Você sabe como esta raça é... um bando de seres prepotentes que se acham acima de tudo e de todos. Mas nós demos uma lição neles, uma boa lição.

Mortimer olha para o arco atentamente, como se quem estivesse contando a história para ele, fosse o arco e não Regnault.

- Logo no amanhecer do dia, nós saímos de nossos esconderijos. Foram dias nos organizando e nos instalando nas casas próximas da floresta para que aqueles orelhudos não nos percebessem chegando – Ele olha para o seu ouvinte contemplando o arco e pega no ombro dele para que o olhe e continua – sabe por que escolhemos atacar pela manhã?

Mortimer apenas o olha, mas não esboça nenhuma intenção de responder.

- Porque estes efeminados, magricelos, orelhudos conseguem ver bem no escuro, mas durante o início da manhã eles estão trocando o turno deles. E foi assim que os pegamos de surpresa... claro, com uma boa ajuda de óleo e tochas para queimar aquela floresta deles – ele para e olha para os lados como se fosse contar um segredo que não poderia ser ouvido por outros, mesmo eles estando sozinhos ali – mas tenho que admitir garoto, mesmo naquela fumaça, mesmo suadas e sujas, aquelas elfas cheiravam bem... – seus olhos se fecham, como se ele estivesse revivendo ali mesmo as memórias daquele momento – e te digo, depois que pegamos gosto por certas iguarias, nós sempre voltamos para um pouco mais, nem que seja pagando caro!

Novamente os olhos de Mortimer se voltam para o arco – certo, eu penso o mesmo.

Regnault volta para sua posição e atira, desta vez contra o alvo mais longínquo, acertando no segundo círculo mais próximo do círculo central – Ah, veja só! Vamos lá, faça melhor agora com este arco das meninas do bosque.

Sem responder as provocações, ele atira. Sua flecha acertando no círculo mais próximo do círculo central, praticamente entre um e outro.

- O que?! Eu sabia! – Regnault responde ultrajado ao tiro quase perfeito de seu competidor - Este é mais um daqueles arcos enfeitiçados por aquelas criaturas do mato!

- Como eu disse, eu estava apenas aquecendo. O arco apenas me garante o conforto...

- Conforto? – ele gesticula inapropriadamente para o Mortimer – Minhas acompanhantes na Casa de Mariette que trazem conforto, isso aí simplesmente um engodo para retirar meu dinheiro usando feitiçaria élfica! Vamos inverter então, você me dá este arco e vemos se é conforto o que de fato está acontecendo aqui!

- Não encoste... – Mortimer para, como se uma terceira pessoa o interrompesse, e olhando para o arco acena a cabeça positivamente – está bem, vamos sim. Tome pegue o arco – ele oferece a arma sem resistência e aceita o outro arco - Agora, vamos tornar isso ainda mais interessante?

- Mais interessante? Eu já estou vendo que você não terá dinheiro para cuidar de si próprio quando acabar minhas flechas.

- Faremos assim: o melhor arqueiro em três tiros é o vencedor, meu caro. Se for o vencedor, ganhará isso aqui – ele produz de dentro suas vestes uma algibeira, a joga para Regnault.

Ele agarra a algibeira e com desconfiança examina seu conteúdo. Descrente com o que vê, ele espalha em sua mão algumas pedras de dentro da bolsa e analisa com assombro a qualidade das gemas – isso é um tesouro inestimável! – mas rapidamente ele começa a desconfiar do que estaria em jogo ali e interpela – se pensa que irei colocar minha fazenda nesta aposta, estará apenas se fazendo de tolo perante mim! Não nasci ontem para cair nestes truques de trapaceiros estrangeiros!

- Não estou atrás de sua fazenda ou seus bens materiais.

- Então o que quer?

- Quero aquilo que considera mais valioso, mais do que tudo.

- Ah! Por um instante esqueci o que está interessado – Regnault suspira e balança a cabeça, abandonando o medo de perder sua preciosa fazenda – Eu já fui jovem também, e fiz coisas do estupidas apenas para aplacar meus desejos... jovens, sempre tolos – Ele pega uma flecha e a puxa contra a corda do arco, mirando alto – então temos um acordo.

Sua flecha voa alto e certeira. Ela acerta com pujança o círculo próximo ao círculo central, próxima a flecha que Mortimer há pouco havia colocado lá.

-Ah! Eu disse! Espero que aceite sua derrota com dignidade, pois sairá daqui carregando apenas as roupas do corpo.

Com tranquilidade, Mortimer ajusta o arco cedido pelo seu anfitrião e numa sequência de três tiros rápidos, que deixa Regnault sem saber se olha para o arqueiro ou para o alvo, todas as três flechas são colocadas no ar e, uma após a outra, as três acertam o centro do alvo.

- O que?! Isso não é possível! – seus olhos agora fixados no alvo, como se tentasse ver através de alguma ilusão, Regnault fica tão estarrecido que não consegue ver Mortimer chegando por trás dele.

O mestre arqueiro olha a sua volta, ninguém, nem mesmo um serviçal visível. Em um movimento suave, uma adaga surge em sua mão e um giro, os tendões do calcanhar de Regnault são decepados. Ele cai no chão, mas antes de conseguir gritar da dor excruciante, Mortimer o segura pela boca e se coloca acima do homem caído.

- Três flechas certeiras ao centro, como a sua primeira errou... – apesar da tranquilidade em sua voz, Mortimer se esforça para impedir o homem de gritar - Hoje você falou demais. Durante toda uma tarde que deveria ser uma das melhores tardes que um homem pode desejar, você apenas falou. E no final, não disse nada além do quanto não valoriza nada além de si mesmo. Este é meu prémio.

O terror nos olhos de Regnault é assolador.

- Agora irei lhe contar o futuro... shh... calma, você já disse o bastante! Me deixe falar. Agora vai aproveitar para exercitar a audição, afinal sabe o que dizem sobre a vida, nunca se sabe quando será sua última oportunidade – Mortimer sorri pela primeira vez desde que saiu da companhia de Edelin – Hoje à noite nós vamos para uma viagem de negócios, só eu e você. Daqui a pouco eu irei lá dentro de sua casa para informar sua bela família que você ficou tão empolgado com as oportunidades de negócios que eu trouxe, que nem pode esperar e foi direto para cidade. Não se preocupe, eu vou na sequência, não vai ficar sozinho nesta empreitada. Mas para não levantar suspeitas, a noite você voltará para casa e dormirá ao lado da sua adorável esposa, mas diferentemente do que fez hoje, desta vez você dirá apenas coisas boas para ela e, já que elogios estão sendo distribuídos, durante amanhã você fará o mesmo para sua tão amável filha, inclusive se desculpará por ter sido rude com ela, concorda?

Mesmo com dor, Regnault encontra forças para acenar com a cabeça em concordância.

- Muito bem! Está vendo como ouvir os outros é bom? Como prêmio, por ser tão bom ouvinte, irei te poupar o trabalho de fazer isso tudo que eu descrevi, e eu mesmo farei por você e farei tão bem, que será como se fosse você!

A expressão Regnault agora transparece confusão, mas não por muito tempo, pois ele começa a se contorcer novamente em resposta a dor agonizante causada pela adaga atravessando vagarosamente entre suas costelas. O sofrimento o leva a se debater violentamente e, sendo um homem corpulento, pelo menos em comparação a Mortimer, ele por um momento consegue derrubar seu ofensor de cima dele. Entretanto, o que falta de força a Mortimer é compensado muito além por sua agilidade e ele recupera o controle sobre sua vítima. Neste movimento, ele não percebe, mas seu amuleto de Nox pula para fora de suas vestes negras.

Com os olhos arregalados, Regnault apenas consegue gritar uma última palavra – Nox!

 

 

Devon, 1319

- Sihtric, senhor... É necessário que entenda que por mais que tenhamos dobrado os proventos, Devon ainda está acumulando dívidas e...

- Giovanni, é justamente para isso que você foi contratado – Sihtric responde sem desviar sua atenção do movimento no pátio abaixo, enquanto se apoia no parapeito da janela – como você disse, estamos com quase duas mil vidas dentro das muralhas, sem contar as fazendas e pequenas vilas aos pés da colina. Precisamos expandir.

- Expandir?! Desculpe-me senhor, isso é um absurdo.

- Um absurdo é deixar essas pessoas sem abrigo no caso de um ataque.

- Ataque? Voltamos ao tema... senhor, já estamos aqui há mais de quinze anos e...

- E eu – ele vai em direção a Giovanni, o encarando de maneira intimidadora - vou repetir, eu, com minhas próprias mãos, espada e escudo, cuidei para que o pior não ocorresse aqui. Mas eu não estarei aqui para sempre, e, que a Dama da Noite não permita, que não sejamos atacados por uma legião de criaturas do coração das colinas.

Giovanni permanece em sua posição com o mesmo semblante impassivo – isso não muda os fatos. Iremos precisar de mais dinheiro. Teremos que novamente recorrer aos seus patronos, e, como você costuma dizer, é para isso que estou aqui. Agora, para quem iremos recorrer desta vez? O Rei de Konigar, a Poente Sacerdotisa, a Suma Sacerdotisa, os Correspondentes, a Liga de Rizzard... alguma companhia de mercenários de algum companheiro de aventuras de outrora... ah não! Esqueci já estão todos cobrando pelos empréstimos!

- Veja bem, Barbo. É isso mesmo que faremos, e se não conseguirmos com eles, vamos atrás das Dinastias ou Casas, ou sei lá como vocês chamam suas famílias ricas de Rizzard. É para isso que tenho um Barbo aqui, certo? Como é que dizem mesmo... um Barbo barganha até uma aliança?

Giovanni balança a cabeça em negação – negociamos alianças, barganhamos...

Antes de completar, ele é interrompido por um dos guardas abrindo a porta – Senhor Sihtric, desculpe-me, mas a sacerdotisa Aurea aguarda.

- Diga para ela aguardar – ele dispensa o guarda, e aguarda ele fechar a porta - Continue Giovanni.

- Deixe-me retornar ao ponto central, concordo que devemos recorrer aos contatos para mais recursos, mas precisamos investir nas estradas.

- Não. Já disse que não. Do que vão adiantar estradas quando formos atacados?

Giovanni coloca a mão no rosto e respira fundo – a estrada antiga de Haysin ainda é utilizada pela metade das caravanas. Eles a preferem, pois ganham praticamente um dia de viagem.

- Mas ela está abandonada há décadas. Sem falar que a Floresta Ancestral já está a tragando em muitas partes. O próprio tempo irá...

- Não podemos esperar! Temos que pagar parte dos empréstimos para conseguirmos novos – Giovanni anda de um lado ao outro da sala – Veja, não estaríamos aqui discutindo isso se tivesse reaberto as minas ao sudeste.

- Estou aguardando os elfos.

Giovanni não consegue manter a compostura neste momento – aguardando os elfos?! Senhor Sihtric! Nós, humanos, apenas conquistamos o mundo dos elfos porque nós somos rápidos, se aguardássemos os elfos...

Novamente Giovanni é interrompido com o guarda abrindo a porta, mas antes mesmo dele falar, as vozes exaltadas de duas mulheres discutindo na antessala se sobrepõem.

- Há séculos... não, milênios! Devo ressaltar, nossos rituais...

- Vamos falar de tradições então? – a outra mulher em vestes púrpuras interrompe - Até pouco tempo atrás não existiam os tais aspectos divinos que vocês estão pregando como verdade –ela diz com sarcástico.

- Do que está falando? – a outra jovem, essa vestindo branco com belos adornos dourados, fala utilizando sua melhor oratória – antes da Grande Revelação existiam mais de trinta aspectos, isso há mais de um milênio...

- Menina, você tem quantos anos, quinze? Antes de você nascer, minha Poente...

- Quinze?! Do que está falando? Eu tenho... ah! Não vou deixar você usar seus truques para desviar...

Batendo suas mãos ruidosamente, Sihtric se coloca entre as jovens sacerdotisas – que tarde maravilhosa! – sua voz alta silencia ambas – ver vocês duas juntas é como ser abençoado pelo dia e pela noite ao mesmo tempo.

Aproveitando o momento, Giovanni se aproxima da sacerdotisa em vestes adornadas em dourado – digna senhorita Aurea Satin – ele a saúda com dois dedos apontados para o céu – espero que sua estimada família esteja bem.

- Senhor Giovanni Barbo, Alos ilumina e protege nossas famílias, agradeço sua preocupação, mas fique tranquilo que elas estão bem.

Ele se ajoelha e beija a mão da jovem e levanta-se, agora dirigindo-se a outra sacerdotisa – digna senhorita Magnólia Fellin, desejo o mesmo para sua estimada família.

Magnólia, em seu robe púrpura, em nada modesto, é um verdadeiro contraste com Aurea, apesar de não aparentar ser mais velha, sua pose e sensualidade claramente a destacam, pelo menos os guardas no local parecem obstinados em acompanhar cada passo dela se aproximando de Giovanni. Ela oferece a mão a ele, que desconsertado a beija, mas sem se ajoelhar.

Com um sorriso no canto da boca, Magnólia passa delicadamente sua mão no rosto barbudo dele – muito bem, querido. Que Nox tenha piedade sobre os homens.

- Barbo, irei com elas, amanhã continuamos nossa conversa.

- Claro senhor, os deuses não esperam pelos mortais. Irei antecipar com os Correspondentes o que discutimos.

Sihtric faz um gesto para as sacerdotisas guiarem o caminho, mas Magnólia ligeiramente se acomoda ao seu lado e coloca sua mão em seu braço. Percebendo a intenção da jovem, ele oferece o braço a ela.

Aurea ignora o movimento da outra sacerdotisa, guia o caminho um passo à frente deles.

Pouco a frente, um rapaz correndo nos corredores quase esbarra em Aurea, que o segura.

- Pai! Siren roubou a adaga que me deu! – ele diz com raiva, quase gritando.

Sihtric com uma mão pega por trás da túnica – vamos andando, pois tenho pressa Beldar.

O rapaz vai aos tropeços tentando olhar para o pai enquanto explica – Siren pegou minha adaga, a que você me deu, e disse que não irá devolver!

- Então veio aqui para dizer que não só perdeu o presente, como é incapaz de resolver sozinho os seus problemas e precisa recorrer aos outros? Estou muito decepcionado Beldar.

- É... eu, mas eu – o rapaz gagueja.

- Sem mas, resolva seu assunto como um homem.

- Mas ela é mais velha e mais forte...

- Se acha que resolver um assunto como um homem é utilizar a força contra sua própria irmã...

-Não pai! Não mesmo... Eu já sei como resolver... sim! Eu sei como – sem nem olhar para trás, ele se solta da mão do pai e sai correndo.

- Não acho que deveria fazer isso – Aurea diz balançando a cabeça – ele tomará a decisão errada.

- Aurea, ele precisa aprender. Errando ou acertando, ele aprenderá uma lição.

- Mas sem ter alguém por perto para orientá-lo, ele poderá aprender a resolver os problemas da maneira errada ou, pior ainda, cometer um erro irreparável.

- Desta vez eu tenho que concordar com a raio dourado – comenta Magnólia.

- Ah! Era o que me faltava, duas meninas me ensinando a criar meus filhos... pelo visto os cultos de Alos e Nox resolveram seus problemas e se uniram para me criticar.

Elas sorriem uma para outra.

Seguindo pelos corredores, eles descem alguns lances de escadas e chegam ao final do caminho deles. Após passarem por uma porta de pedra maciça, eles são recebidos por três elfos em uma câmara repleta de símbolos élficos ou arcanos, seja o que for, uma verdadeira obra de arte intricada e incompreensível. O aroma no local é uma mistura de incensos, ervas e cheiro de terra.

- Irval Que’cel? Ah sim, é você mesmo... há mais dez anos que não o vejo – Sihtric se aproxima para abraçar o elfo mais velho.

Irval apenas levanta a mão e faz um gesto élfico, que Sihtric acredita ser um cumprimento e ele imita, visto o desconforto de seu hospede.

- Essas são as escolhidas? – Irval questiona se aproximando delas – tão jovens...

- Sim, somos nós e...

- Magnólia, escolhida de Nox – Magnólia corta Aurea.

Aurea segura uma resposta, suspira e apenas encara Magnólia, demonstrando indignação sobre as contantes interrupções.

- Deem-me suas mãos – o elfo cuidadosamente posiciona a mão de Aurea contra a mão de Magnólia e, dedo por dedo, alinha um gesto, interpondo os dedos delas e em sequência faz o mesmo com a outra mão.

Irval guia as sacerdotisas ao centro da sala, onde elas se ajoelham uma de frente para a outra com as mãos entrelaçadas. Entre elas, ele coloca uma pequena medalha prateada, mas que reflete a luz com um tom azulado. Essa medalha tem duas correntes longas e delicadas, feitas do mesmo material, cada uma presa a um lado.

O reflexo azulado começa a ficar mais intenso.

- Sihtric, isso conclui nosso acordo – Diz Irval com o olhar fixado nas jovens no centro.

- Eu não consigo me mexer – Magnólia fala entre os dentes.

- Ótimo, pois precisará ficar nesta posição até a chave se partir em duas – Irval sinaliza para os outros elfos.

Cada elfo pega uma corrente da medalha, passando elas sobre a cabeça das jovens e ao encostar no pescoço delas, a corrente começa a lentamente a se retrair, puxando o rosto delas até quase encostar a ponta do nariz uma da outra.

- Por Alos! Quanto tempo isso levará? – Aurea pergunta entre os dentes, sem conseguir gesticular os lábios.

- Será rápido, não se preocupe, menos de um dia com certeza.

- O que?! - Magnólia geme demonstrando alguma dor, mas continua – se soubesse que teríamos este momento tão íntimo, Raio dourado... eu teria tentado deixar você mais agradável ao meu olhar.

- Shh... relaxem, ou isso irá se tornar mais doloroso que o necessário – Irval adverte elas com uma tentativa de sorriso tranquilizador, mas sem sucesso, pois agora o olhar delas começa a transparecer desespero.

Os elfos começam a pegar os seus pertences pelo cômodo.

- Antes que saiam, preciso saber sobre as minas – pergunta Sihtric.

Sei que para vocês é complicado entender nossa cultura ou diferenciar um elfo do outro, mas devo ressaltar que este assunto não é comigo.

- Eu sei, Irval, mas já se passaram quase quinze anos desde que começamos a discutir e a Jersali prometeu que este tema seria tratado com prioridade.

- Se nossa Brethil assim disse, assim será.

- Eu estou aguardando por quinze anos!

- Assim como aguardou pelo selo, que é um assunto mais crítico e nós arriscamos muito ao fazer isso dentro deste curto espaço de tempo. Isso não é certo, e foi justamente este tipo de pressa que gerou todo este problema. Minha espécie, minha história, minha cultura... tudo praticamente dizimado por humanos e sua pressa... sua ganância em ter tudo – Irval começa a sair pelo túnel lateral, mas para e olha para Sihtric – meu trabalho aqui terminou, os anões devem obliterar essa passagem, como combinamos.

- Amanhã eles irão cuidar disso – Sihtric percebe que esqueceu do principal – ah! Vocês entregaram a chave aqui como combinado, mas em nenhum momento nos foi dito como as sacerdotisas podem abrir o selo caso seja necessário.

- Como foi combinado, nós deixamos a chave com os humanos, mas o segredo de como utilizá-la será nosso. Apenas lembre-se que as portadoras nunca poderão sair desta colina – Irval e os outros entram no túnel, sem mais explicações.

- Ouviu raio dourado, nós seremos como irmãs até nosso último suspiro – Magnólia realça a ironia em suas palavras com um suspiro forçado entre os dentes.

- Sihtric! Não me deixei aqui sozinha com ela!

Sihtric já estava andando na direção da escada – Aurea, trate bem sua irmã da noite, agora serão como o dia e a noite de Devon, então precisam se conhecer melhor. Além disso, lembrei do meu filho Beldar e aposto que a irmã dele está novamente fazendo venenos, por isso pegou a adaga dele, preciso ir salvar o garoto!

Batalha de Kreisheim, Legransk, 1309

As primeiras luzes da manhã ainda não haviam rompido o horizonte quando os gritos de alarme ecoaram pelo acampamento. Dentro da tenda do condottiere, o som dos sinos de alarme e os clamores desesperados já haviam rompido seu sono leve. Ele estava de pé, ajustando sua armadura com a ajuda de sua escudeira.

— Condottiere! Estamos sob ataque! Senhor, acorde! — gritou Riker, um dos capitães, ao entrar apressado na tenda.

Ele ergueu os olhos, sua voz calma contrastando com a urgência ao redor.

— Riker, apenas reporte.

— Os inimigos atacaram pelo flanco oriental, descendo pelo norte. A primeira companhia foi aniquilada, alguns fugiram, outros morreram — relatou Riker, com a voz trêmula.

Ele prendeu o escudo ao braço e pegou sua espada, lançando a bainha de lado.

— Ott deve estar encurralando-os pelo noroeste. Precisamos seguir o plano — respondeu ele, confiante.

Riker hesitou antes de responder.

— Não, condottiere. O Duque Ott está em combate na colina central.

— Desgraçado... desgraçados! — rugiu ele, a surpresa visível em seu rosto. Ele se voltou para Elaine, que estava ao lado, visivelmente nervosa.

— Elaine, vá e acompanhe as tropas de Teiron. Garanta que sigam os planos e mande um informante se algo ocorrer.

— Mas Mauregato eu devo acompanhá-lo em combate — protestou Elaine, os olhos suplicantes.

— Siga minha ordem, escudeira — disse ele, com uma voz firme, mas gentil.

Elaine, contrafeita, montou em seu cavalo e galopou em direção às tropas de Teiron. Mauregato e Riker montaram também, seguindo para o campo de batalha onde os gritos eram mais intensos.

— Vamos ter que dividir as tropas e pegar os inimigos pelos flancos, senhor — sugeriu Riker, tentando manter a calma.

Mauregato olhou para o campo de batalha, avaliando a situação com rapidez.

— Não. Já perdemos essa oportunidade. Se fizermos isso, Duque Ott e seus homens morrerão ­— Mauregato assovia na direção de um destacamento de seus mercenários e dois homens montados à frente da tropa se aproximaram galopando.

 

— Capitão Riker, leve sua companhia ao flanco, como propôs. Os demais homens vão comigo direto ao duque. Entendido, capitães? — ordenou ele.

Os capitães, Aldric e Luthar, empunharam suas espadas e gritaram em uníssono:

— Pela Legião de Ferro!

A companhia de mercenários avançou pelo campo de batalha, enfrentando a maré de inimigos. Mauregato liderando a investida, abria o caminho. Cada golpe de sua espada era um movimento de pura precisão e letalidade. Ele se movia como um furacão, devastando tudo em seu caminho. O sangue manchava o chão, os gritos de agonia eram abafados pelo som do aço encontrando carne.

Ao chegar ao centro da batalha, ele avistou Duque Ott cercado por inimigos. Sua respiração era pesada, o desespero estampado em seu rosto.

— Fomos traídos... — murmurou Ott, quase sem forças.

Mauregato já sabia. Avistou Semseddin, seu antigo aliado, lutando ao lado das tropas inimigas. As tropas de Mourak, leais a Nox, estavam massacrando seus homens. Sem hesitar, avançou, seu olhar fixo em Semseddin.

— Semseddin! — gritou ele, sua voz cortando o caos ao redor.

Semseddin virou-se, reconhecendo o desafio. Ele sorriu, um sorriso cruel, e ergueu sua espada.

— A honra é minha — disse Semseddin, avançando para o combate.

Os dois guerreiros se encontraram em uma batalha feroz, cada golpe era um teste de força e habilidade. Os soldados ao redor pararam de lutar, hipnotizados pelo duelo épico. O som das espadas ressoando como trovões.

Mauregato esquivou-se de um golpe devastador, girando para contra-atacar. Semseddin bloqueou com sua espada, os olhos brilhando de excitação.

— Você sempre foi um adversário digno — disse Semseddin, com um sorriso sádico.

— E você, sempre um fantoche — respondeu ele, com frieza.

Antes que o embate pudesse chegar a uma conclusão, uma explosão próxima trouxe o caos de volta. Mauregato vislumbrou uma figura voando sobre o campo – a Rainha Feiticeira de Konigar, Lianne. Ela lançava bolas de fogo contra as tropas inimigas, transformando o campo de batalha em um inferno.

No meio do tumulto, Mauregato continuou lutando contra Semseddin e, totalmente absorvido em seu oponente, não percebeu quando um homem tentou atacá-lo pelas costas. Elaine surgiu, interceptando o golpe com seu escudo. Sem ter tempo de entender o que acontecia, apenas viu Elaine avançar contra Semseddin.

— Elaine, não! — gritou ele, mas era tarde demais.

Semseddin, vendo uma nova ameaça, girou e atacou Elaine mortalmente. Ela caiu aos seus pés, a vida se esvaindo de seus olhos. Mauregato soltou um grito de dor e raiva, sua espada cortando o ar com renovada fúria, enquanto o caos da batalha continuava ao seu redor e neste instante uma nova explosão sacudiu o campo, a força arremessando Semseddin para longe. O impacto ecoou, silenciando temporariamente os sons da batalha.

Mauregato com os olhos brilhando de ira e dor, levantou-se, focando-se em Semseddin, que se erguia com dificuldade.

Os dois guerreiros se encararam, a tensão entre eles palpável, mas Mauregato abaixou a guarda ao avistar Elaine caída no chão. Com um movimento suave, levantou o corpo frágil da jovem em seus braços. A dor em seus olhos era palpável, um contraste gritante com a fúria que o consumira momentos antes.

Semseddin, observando a cena, percebeu a verdade cruel: o oponente que o havia atacado instantes antes era apenas uma menina.

— Retirada! — ordenou Semseddin a seus homens, sua voz carregada de respeito pelo adversário.

Os soldados de Semseddin começaram a se retirar, seguindo a ordem de seu líder. Semseddin deu um último olhar para o condottiere, um reconhecimento silencioso da tragédia, antes de virar e desaparecer no caos da batalha.

Mauregato, segurando Elaine com cuidado, caminhava lentamente para longe do campo de batalha. Seus passos firmes ecoavam sobre os restos remanescentes de inimigos e aliados, a distinção agora irrelevante, unidos pela eternidade da guerra. O sangue encharcava o chão, tornando cada passo um esforço pesado de memórias e luto.

Riker se aproximou a cavalo, o olhar preocupado. Falava algo sobre a batalha, mas ao perceber a figura inerte nos braços de Mauregato, sua expressão mudou. Com um gesto rápido, ordenou a alguns homens que escoltassem seu líder, garantindo que ninguém se aproveitasse da situação.

A caminhada, solene e dolorosa, foi interrompida quando a Rainha Feiticeira Lianne desceu flutuando à sua frente. A energia ao seu redor fazia o solo estalar com sua aproximação.

— Mauregato! Eu senti que era você! — sua voz carregada de euforia, começando a recontar sua aventura. Mas o olhar solene dele demonstrava que não a ouvia. O sangue de Elaine cobria seus braços.

— Elaine! Não... Como isso pode ocorrer... — disse Lianne, a dor transparecendo em sua voz.

— Se todos tivessem cumprido sua parte no plano, isso não teria ocorrido — respondeu ele, com um tom de repreensão.

— Mas eu salvei vocês! — protestou Lianne, quase desesperada.

Sem responder, ele continuou seu caminho, ignorando a Rainha de Konigar. Lianne, com um misto de culpa e raiva, fechou os olhos e desapareceu, deixando apenas o ar estalando de energia. Os mercenários da Legião de Ferro, testemunhando a cena, ficaram sem reação, vendo a energia se dissipar diante deles.

Ao longe, Mauregato avistou seu destino. O sol fraco do Norte estendia sua sombra na direção do seu objetivo, um simbolismo que não passou despercebido. Seus passos aceleraram, sua energia exaurida pelo combate e pela caminhada sendo renovada pela expectativa.

 

À sua frente, uma armadura reluzia sob o sol. Pela primeira vez em anos, lágrimas escorreram de seus olhos.

— Miri! — Sua voz transparecia desespero.

A Suma Sacerdotisa correu em sua direção. Ao chegar, caiu de joelhos, braços abertos para receber Elaine.

— Oh, minha bela... — lamentou Miri, sua voz suave e confortante.

— Por favor, Miri, traga-a de volta. Restabeleça a vida de minha sobrinha. Ela é tudo que restou de minha família!

— Meu querido, os Deuses têm...

— Eu não quero saber dos deuses! Eu salvei os deuses! Eles me devem isso, após tudo que fiz, após tudo que perdi!

Miri ficou em silêncio, seu olhar cheio de profunda empatia e devoção. Mas, além disso, demonstrava que não atenderia às súplicas dele.

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