A Ferro e Fogo

by Henrique Albert
Batalha de Kreisheim, Legransk, 1309   As primeiras luzes da manhã ainda não haviam rompido o horizonte quando os gritos de alarme ecoaram pelo acampamento. Dentro da tenda do condottiere, o som dos sinos de alarme e os clamores desesperados já haviam rompido seu sono leve. Ele estava de pé, ajustando sua armadura com a ajuda de sua escudeira.   — Condottiere! Estamos sob ataque! Senhor, acorde! — gritou Riker, um dos capitães, ao entrar apressado na tenda.   Ele ergueu os olhos, sua voz calma contrastando com a urgência ao redor.   — Riker, apenas reporte.   — Os inimigos atacaram pelo flanco oriental, descendo pelo norte. A primeira companhia foi aniquilada, alguns fugiram, outros morreram — relatou Riker, com a voz trêmula.   Ele prendeu o escudo ao braço e pegou sua espada, lançando a bainha de lado.   — Ott deve estar encurralando-os pelo noroeste. Precisamos seguir o plano — respondeu ele, confiante.   Riker hesitou antes de responder.   — Não, condottiere. O Duque Ott está em combate na colina central.   — Desgraçado... desgraçados! — rugiu ele, a surpresa visível em seu rosto. Ele se voltou para Elaine, que estava ao lado, visivelmente nervosa.   — Elaine, vá e acompanhe as tropas de Teiron. Garanta que sigam os planos e mande um informante se algo ocorrer.   — Mas Mauregato eu devo acompanhá-lo em combate — protestou Elaine, os olhos suplicantes.   — Siga minha ordem, escudeira — disse ele, com uma voz firme, mas gentil.   Elaine, contrafeita, montou em seu cavalo e galopou em direção às tropas de Teiron. Mauregato e Riker montaram também, seguindo para o campo de batalha onde os gritos eram mais intensos.   — Vamos ter que dividir as tropas e pegar os inimigos pelos flancos, senhor — sugeriu Riker, tentando manter a calma.   Mauregato olhou para o campo de batalha, avaliando a situação com rapidez.   — Não. Já perdemos essa oportunidade. Se fizermos isso, Duque Ott e seus homens morrerão ­— Mauregato assovia na direção de um destacamento de seus mercenários e dois homens montados à frente da tropa se aproximaram galopando.         — Capitão Riker, leve sua companhia ao flanco, como propôs. Os demais homens vão comigo direto ao duque. Entendido, capitães? — ordenou ele.   Os capitães, Aldric e Luthar, empunharam suas espadas e gritaram em uníssono:   — Pela Legião de Ferro!   A companhia de mercenários avançou pelo campo de batalha, enfrentando a maré de inimigos. Mauregato liderando a investida, abria o caminho. Cada golpe de sua espada era um movimento de pura precisão e letalidade. Ele se movia como um furacão, devastando tudo em seu caminho. O sangue manchava o chão, os gritos de agonia eram abafados pelo som do aço encontrando carne.   Ao chegar ao centro da batalha, ele avistou Duque Ott cercado por inimigos. Sua respiração era pesada, o desespero estampado em seu rosto.   — Fomos traídos... — murmurou Ott, quase sem forças.   Mauregato já sabia. Avistou Semseddin, seu antigo aliado, lutando ao lado das tropas inimigas. As tropas de Mourak, leais a Nox, estavam massacrando seus homens. Sem hesitar, avançou, seu olhar fixo em Semseddin.   — Semseddin! — gritou ele, sua voz cortando o caos ao redor.   Semseddin virou-se, reconhecendo o desafio. Ele sorriu, um sorriso cruel, e ergueu sua espada.   — A honra é minha — disse Semseddin, avançando para o combate.   Os dois guerreiros se encontraram em uma batalha feroz, cada golpe era um teste de força e habilidade. Os soldados ao redor pararam de lutar, hipnotizados pelo duelo épico. O som das espadas ressoando como trovões.   Mauregato esquivou-se de um golpe devastador, girando para contra-atacar. Semseddin bloqueou com sua espada, os olhos brilhando de excitação.   — Você sempre foi um adversário digno — disse Semseddin, com um sorriso sádico.   — E você, sempre um fantoche — respondeu ele, com frieza.   Antes que o embate pudesse chegar a uma conclusão, uma explosão próxima trouxe o caos de volta. Mauregato vislumbrou uma figura voando sobre o campo – a Rainha Feiticeira de Konigar, Lianne. Ela lançava bolas de fogo contra as tropas inimigas, transformando o campo de batalha em um inferno.   No meio do tumulto, Mauregato continuou lutando contra Semseddin e, totalmente absorvido em seu oponente, não percebeu quando um homem tentou atacá-lo pelas costas. Elaine surgiu, interceptando o golpe com seu escudo. Sem ter tempo de entender o que acontecia, apenas viu Elaine avançar contra Semseddin.   — Elaine, não! — gritou ele, mas era tarde demais.   Semseddin, vendo uma nova ameaça, girou e atacou Elaine mortalmente. Ela caiu aos seus pés, a vida se esvaindo de seus olhos. Mauregato soltou um grito de dor e raiva, sua espada cortando o ar com renovada fúria, enquanto o caos da batalha continuava ao seu redor e neste instante uma nova explosão sacudiu o campo, a força arremessando Semseddin para longe. O impacto ecoou, silenciando temporariamente os sons da batalha.   Mauregato com os olhos brilhando de ira e dor, levantou-se, focando-se em Semseddin, que se erguia com dificuldade.   Os dois guerreiros se encararam, a tensão entre eles palpável, mas Mauregato abaixou a guarda ao avistar Elaine caída no chão. Com um movimento suave, levantou o corpo frágil da jovem em seus braços. A dor em seus olhos era palpável, um contraste gritante com a fúria que o consumira momentos antes.   Semseddin, observando a cena, percebeu a verdade cruel: o oponente que o havia atacado instantes antes era apenas uma menina.   — Retirada! — ordenou Semseddin a seus homens, sua voz carregada de respeito pelo adversário.   Os soldados de Semseddin começaram a se retirar, seguindo a ordem de seu líder. Semseddin deu um último olhar para o condottiere, um reconhecimento silencioso da tragédia, antes de virar e desaparecer no caos da batalha.   Mauregato, segurando Elaine com cuidado, caminhava lentamente para longe do campo de batalha. Seus passos firmes ecoavam sobre os restos remanescentes de inimigos e aliados, a distinção agora irrelevante, unidos pela eternidade da guerra. O sangue encharcava o chão, tornando cada passo um esforço pesado de memórias e luto.   Riker se aproximou a cavalo, o olhar preocupado. Falava algo sobre a batalha, mas ao perceber a figura inerte nos braços de Mauregato, sua expressão mudou. Com um gesto rápido, ordenou a alguns homens que escoltassem seu líder, garantindo que ninguém se aproveitasse da situação.   A caminhada, solene e dolorosa, foi interrompida quando a Rainha Feiticeira Lianne desceu flutuando à sua frente. A energia ao seu redor fazia o solo estalar com sua aproximação.   — Mauregato! Eu senti que era você! — sua voz carregada de euforia, começando a recontar sua aventura. Mas o olhar solene dele demonstrava que não a ouvia. O sangue de Elaine cobria seus braços.   — Elaine! Não... Como isso pode ocorrer... — disse Lianne, a dor transparecendo em sua voz.   — Se todos tivessem cumprido sua parte no plano, isso não teria ocorrido — respondeu ele, com um tom de repreensão.   — Mas eu salvei vocês! — protestou Lianne, quase desesperada.   Sem responder, ele continuou seu caminho, ignorando a Rainha de Konigar. Lianne, com um misto de culpa e raiva, fechou os olhos e desapareceu, deixando apenas o ar estalando de energia. Os mercenários da Legião de Ferro, testemunhando a cena, ficaram sem reação, vendo a energia se dissipar diante deles.   Ao longe, Mauregato avistou seu destino. O sol fraco do Norte estendia sua sombra na direção do seu objetivo, um simbolismo que não passou despercebido. Seus passos aceleraram, sua energia exaurida pelo combate e pela caminhada sendo renovada pela expectativa.         À sua frente, uma armadura reluzia sob o sol. Pela primeira vez em anos, lágrimas escorreram de seus olhos.   — Miri! — Sua voz transparecia desespero.   A Suma Sacerdotisa correu em sua direção. Ao chegar, caiu de joelhos, braços abertos para receber Elaine.   — Oh, minha bela... — lamentou Miri, sua voz suave e confortante.   — Por favor, Miri, traga-a de volta. Restabeleça a vida de minha sobrinha. Ela é tudo que restou de minha família!   — Meu querido, os Deuses têm...   — Eu não quero saber dos deuses! Eu salvei os deuses! Eles me devem isso, após tudo que fiz, após tudo que perdi!   Miri ficou em silêncio, seu olhar cheio de profunda empatia e devoção. Mas, além disso, demonstrava que não atenderia às súplicas dele.


Cover image: by Henrique Albert