Entre a Luz e as Sombras

Suor escorria quente e viscoso pelo rosto de Mauregato Faberi. Ele girou o corpo no ar, intensificando o impacto de sua espada que decepando a cabeça putrefata e a jogando violentamente contra a parede coberta de limo. A cabeça ficou presa, com a mandíbula sem vida mexendo lentamente, como se suplicasse por ajuda, enquanto a goma negra a engolfava.

— Cuidado Brynjolf! — gritou Mauregato, vendo-o se aproximar demais da turba de zumbis.

— Vejam! Sihtric, pare de atacá-los! Viúva, Alcaraz olhem! — Brynjolf se colocou no meio das criaturas, que passaram por ele sem atacá-lo. — Estamos lutando em vão, eles não estão nos atacando!

A Viúva parou e dissipou sua áurea divina, abaixando seu símbolo sagrado incorporado no pomo de sua espada. Ela tentou se aproximar de Mauregato, estendendo a mão à distância, tentando alcançar seu rosto. — Você está ferido, eu quero te ajudar, mas não consigo te alcançar.

Mauregato passou a mão no rosto. — Não se preocupe, é apenas suor. — Então ele sentiu o gosto ferroso. Olhou para sua mão, coberta de sujeira e sangue. Então voltou o olhar para a Viúva. A sacerdotisa estava presa a algum tipo de cadeira, feita de ossos e carne putrefata. Ela estava inconsciente. — O que está acontecendo? Aonde foram os zumbis?

O guerreiro começou a se contorcer, tentando se soltar. Seus braços estavam imersos naquela massa repulsiva que parecia apertar mais a cada movimento. O fedor de decomposição invadiu suas narinas, enquanto ele sentia a textura asquerosa e fria da carne morta ao seu redor. Procurava desesperadamente uma maneira de escapar, mas não encontrava folga ou ponto de apoio.

Um assobio chamou sua atenção. Ele percebeu que os outros membros de seu grupo também estavam presos. Todos pareciam inconscientes, menos um. Entre duas enormes colunas de vidro repletas de líquido marrom esverdeado, estava Brynjolf. O rapaz tinha um de seus braços livre e gesticulava colocando um dedo na frente dos lábios, pedindo silêncio. Em seguida, apontou para os ouvidos e para a porta, indicando que alguém se aproximava. Brynjolf então apoiou a lateral do rosto na mão e piscou, fingindo dormir.

Mauregato fechou os olhos, tentando controlar sua respiração enquanto aguardava. Do outro lado da sala, o som de algo pesado e grotesco se arrastando fazia o chão vibrar levemente, parando com uma batida seca, provavelmente o som da enorme porta se abrindo. Ele podia sentir a aproximação de alguém, ou algo, completamente silencioso, uma presença que carregava consigo um cheiro rançoso de decomposição que o tomou de assalto. Mauregato lutou contra a ânsia de vomitar, mantendo o controle com dificuldade, até que a sensação de proximidade com o ser emanando tal odor reduziu.

Por um breve momento, ele respirou aliviado, mas o alívio foi efêmero. O terror retornou com força total ao perceber que, seja lá o que estivesse naquele lugar, estava indo em direção à Viúva. O desespero tomou conta dele, e seus olhos se abriram abruptamente.
A visão que encontrou era a personificação do pesadelo. Diante dele, erguia-se uma abominação que desafiava a própria natureza. Seu corpo esquelético e pútrido era coberto por uma pele fina e cinzenta que pendia em farrapos sobre ossos frágeis. O rosto, ou o que restava dele, era uma máscara de puro horror, com tentáculos dessecados onde deveria estar a boca, e olhos sem vida, cintilando com uma luz macabra e faminta.

Os tentáculos da criatura moviam-se de forma independente, como serpentes famintas, tateando o ar em busca de algo para agarrar. O cheiro de morte que emanava dela era insuportável, um miasma de podridão e decadência que impregnava o ar ao redor. O ser deslocava-se com uma fluidez antinatural, cada movimento testemunhando o poder necromântico que o mantinha em um estado de existência profana.

Ao se aproximar da Viúva, os tentáculos começaram a se enroscar ao redor de seu corpo, tocando sua pele com uma intenção nefasta. Mauregato observou, impotente, enquanto a energia vital de sua companheira era sugada pelo contato com a criatura. A Viúva, presa naquele trono macabro de ossos e carne, começou a se contorcer em agonia, seus gritos abafados pelo terror que a consumia.

A criatura abriu a boca, revelando fileiras de dentes pontiagudos e putrefatos, e soltou um som que era uma mistura de sibilo e gemido, um lamento das profundezas. Mauregato sentiu uma onda de frio percorrer sua espinha, enquanto a criatura se preparava para seu banquete horrendo.


Rizzard, 1306

— Vamos, amor! Hoje é o grande dia!

Ao som das cortinas sendo abertas, o Sol invadiu o quarto, atingindo o rosto suado do guerreiro. Mauregato levantou-se com um sobressalto, tentando entender onde estava. Ele olhou para os seus braços, movendo-os ao redor como se garantisse que estavam soltos, que ele estava livre. Depois, contorceu-se e tentou cobrir os olhos com as mãos, murmurando algo inaudível.

Miri Sanstiff riu suavemente, uma melodia de pura alegria, e se aproximou da cama.

— Bom dia! — disse ela, inclinando-se para beijá-lo. — O sol já está alto e temos um dia maravilhoso pela frente.

Mauregato olhou para ela com dificuldade, piscando contra a intensidade da luz. A visão de Miri, irradiando felicidade e beleza, trouxe um sorriso relutante aos seus lábios. Durante as manhãs, a sacerdotisa do Sol era ainda mais bela, ela parecia a personificação da própria alegria.

— Por Nox, Miri... — resmungou ele, tentando manter a expressão severa, mas falhando miseravelmente. — Você precisa fazer isso todos os dias?

— Por Alos, sim! — Miri riu novamente, seu riso como o tilintar de sinos. — Alguém precisa garantir que você não durma o dia todo, grande guerreiro! — Ela se sentou ao lado dele, acariciando suavemente a barba de Mauregato. — E eu adoro te ver acordar, mesmo que você fique brevemente emburrado.

Ele suspirou, mas seu olhar suavizou enquanto observava o rosto dela, iluminado pelo sol matinal. — Você é impossível, Miri. Mas não sei o que faria sem você.

Ela sorriu, inclinando-se para um beijo breve e carinhoso. — E eu não sei o que faria sem você. Agora, levante-se! Temos um mundo lá fora esperando por nós.

Com um último suspiro resignado, Mauregato se levantou e começou a se vestir. Miri esperou pacientemente, observando-o com um olhar terno. Quando ele finalmente estava pronto, eles desceram juntos para o salão principal da casa.

No caminho, os sons da vida matinal de Rizzard preenchiam o ar. Cães ladravam, pessoas começavam suas atividades diárias, e o aroma de pão fresco e café recém-passado emanava da cozinha. Ao entrarem no salão de refeições, foram recebidos por uma visão familiar e reconfortante.

Sentado à mesa estava um homem devorando uma grande fatia de pão recheada de presunto com uma mão e na outra segurava uma caneca de cerveja. Sua presença era imponente, não apenas por seu porte físico, mas pela maneira despreocupada e vigorosa com que atacava o café da manhã.

— Que falta de refinamento, Gundemaro... — disse Mauregato sorrindo para o homem.

Gundemaro levantou-se de uma vez, deixando a cadeira tombar no chão. — Mauregato! Venha aqui, meu irmão!
Eles se abraçaram e Gundemaro apertou o braço de Mauregato. — Está deixando os exercícios de lado agora que é um Condottiere, meu irmão?

— Estes últimos anos têm sido difíceis. Toda essa burocracia de Rizzard e ainda os anciãos do Triunvirato... tudo isso tem drenado meu ânimo.

— Toma, bebe isso, vai ajudar. — Gundemaro entregou a caneca para Mauregato.

Mauregato aceitou a caneca com um sorriso. — Saúde, irmão! — Ele ergueu a caneca avidamente, mas Miri o impediu pegando a caneca de sua mão e entregando uma xícara de café no lugar.

— Beba isso. Terá assuntos importantes para discutir hoje, precisa estar focado. — Ela seguiu para o outro lado da mesa bebendo a cerveja.

— Isso não é justo, Miri!

— Sacerdotisa errada. Se queria justiça, deveria ter procurado uma sacerdotisa de Unos.

— Eu até tentei, mas só encontrei velhos barbudos!

Gundemaro riu alto, quase engasgando com a comida. — Ah, os anciãos de Unos! A única mulher que vi entre eles era uma estátua!

Miri sorriu, mas balançou a cabeça como se tentasse apagar uma imagem do pensamento. — Mas diga, Gund. Como foi sua viagem a Devon?

— As Colinas de Odesa são as filhas de Ilifey com Vaepra. Nunca vi lugar mais belo... ou mais mortal. Um grande cobertor verdejante cobre aquela região ali próxima a Devon, riachos despencam em belas cachoeiras e a caça está ali disponível aguardando por você. Até eu, que sempre fui um péssimo caçador, consegui um bom cervo para dividir com a Legião. Porém, isso tem uma explicação. A morte espreita em cada colina, em cada buraco. Criaturas abomináveis se escondem no interior daquelas montanhas.

— Então Sihtric não estava exagerando quando pediu nossa ajuda — disse Mauregato, contemplativo enquanto observava a borra de café no fundo da xícara.

— Não mesmo! E que guerreiro é aquele? Sihtric salvou minha vida inúmeras vezes... vocês dois de fato são abençoados por Nox! — Ele disse com admiração, mas olhou para a sacerdotisa de Alos e colocou a mão na boca. — Desculpe-me, senhora, não quis ofender sua casa.

Miri respondeu a Gundemaro com uma gargalhada sincera. — Gund, querido, teu irmão é um escolhido de Nox. Eu respeito isso, os Deuses sempre devem ser respeitados. Dizendo a verdade em alto e bom som em minha casa, você está exaltando a minha fé.

— Eu nunca vou entender como a Escolhida de Alos casou-se com... este ser grotesco. — Gundemaro deu um soco no braço do irmão.

— Yanaa, a Deusa do Amor, é um dos aspectos de Alos. Meu amor pelo Escolhido de Nox é mais uma prova de que Yanaa ainda existe e que minha busca por resgatar os antigos deuses é a vontade de Alos.

— Eu sou fascinado pelas suas histórias sobre o antigo panteão. Me ajude a entender, e os elfos? Os deuses deles também desapareceram? — Questionou Gundemaro.

Mauregato olhou para o irmão com curiosidade. — Que tipo de pergunta é essa? Nunca se interessou pelo povo ancestral. Isso tem a ver com a missão?

Gundemaro foi até o barril de cerveja no canto da cozinha. — Precisamos conversar, meu irmão.

— Gundemaro, as ordens eram claras. A Legião podia fazer qualquer coisa, menos se envolver com a questão dos elfos.

— Que questão dos elfos, Mauregato? — Miri perguntou, visivelmente perdida na conversa. — Os elfos de Eladain são nossos aliados, certo?

— Sim. A Rainha Syndra é nossa aliada, mas precisamos navegar por Rizzard também... — disse Mauregato com pouca convicção.

A alegria desapareceu do rosto de Miri. — Mauregato, se tem algo que não posso aceitar é que omita de mim este tipo de assunto!

— Por favor, acalmem-se! Não quero acabar com as celebrações de hoje.

Mauregato foi até o irmão e colocou a mão no ombro dele. — Não se preocupe com isso. Quero primeiro que esteja bem. O que houve exatamente?

— Em nossas incursões encontramos alguns elfos gravemente feridos. Eles haviam escapado de um grupo de escravagistas. Sihtric obteve deles a localização onde eles aprisionavam outros elfos.

— Já consigo imaginar o rumo que isso tomou. Sihtric atacou eles. — Mauregato disse, balançando a cabeça.

— Eu tentei explicar que deveríamos ficar longe desse grupo, mas Sihtric não aceitou.

— Sim, claro. Aquele cabeça dura jamais ouvirá um conselho depois que de ficar obcecado com uma ideia.

— Eu percebi isso, irmão. Então eu disse que a Legião de Ferro não iria participar do ataque.

— Perfeito, irmão! — Mauregato bateu no ombro do irmão com orgulho.

— Mas ele retornou para a cidadela de Devon para juntar os homens dele...

— Tudo bem, Sihtric terá que lidar com as consequências dos atos dele.

Gundemaro sentou-se e tragou quase a caneca inteira de cerveja.

Mauregato observou o irmão com preocupação. — O que ocorreu depois?

— Eu não podia deixar isso acontecer. Minha missão era garantir o sucesso de Devon e eu sabia que aquilo poderia tomar um rumo fatal. Eu juntei os homens e nós atacamos os escravagistas e libertamos os elfos...

— Não! Não, irmão!

Miri sentou-se ao lado de Gundemaro e segurou a mão dele. — Você tem um bom coração, Gund.

— Miri! Você não entendeu? Ele acaba de quebrar um acordo com a Penumbra e com os Juízes do Tribunal Avito!

— Desculpe-me, irmão, mas eu não poderia ser covarde e deixar a missão falhar. Eu não estaria aqui se não fosse por Sihtric. Apenas paguei minha dívida com ele.

— Não se preocupe, Gundemaro. Eu vou resolver isso. — Mauregato prometeu ao irmão e acenou para ele olhar na direção da escada.

Uma jovem com uma beleza inata descia as escadas da casa com uma graça natural. Seus cabelos castanhos repousavam em suaves ondas sobre os ombros, e sua figura delicada e juvenil destacava-se na luz suave do início da manhã.

Elaine segurava a pequena mão do filho de Mauregato e Miri. O menino tinha os olhos curiosos de sua mãe e o semblante corajoso de seu pai. Quando chegaram ao salão principal, Elaine avistou Gundemaro. Seus olhos se iluminaram com uma alegria incontida. Ela soltou a mão do menino e correu para Gundemaro, seus pés leves mal tocando o chão de tanta felicidade.

— Pai! — exclamou ela, sua voz cheia de emoção enquanto se atirava nos braços de Gundemaro. Ele a envolveu em um abraço apertado, seu rosto endurecido por uma vida de batalhas suavizando-se ao sentir o calor e a ternura da filha.

Gundemaro afastou-se ligeiramente para olhar bem para Elaine, segurando-a pelos ombros. — Como você cresceu, minha menina! — disse ele, sua voz rouca traindo a emoção de vê-la novamente.

Elaine sorriu, seus olhos brilhando com lágrimas não derramadas. — E como eu senti sua falta, pai! — respondeu ela, antes de buscar o menino para mais perto. — Olhe quem mais está aqui para te ver.

O garoto olhou para cima, tímido, mas curioso, segurando firmemente a mão de Elaine. Gundemaro se agachou para ficar na altura do menino, sorrindo calorosamente. — E como está esse jovem valente? — perguntou ele, estendendo a mão em um gesto amigável.

— Ele estava ansioso para conhecê-lo, pai — disse Elaine, seu sorriso radiante refletindo a felicidade do reencontro.

Mauregato observava o reencontro, seu rosto transparecendo preocupação. — Que tal vocês dois aproveitarem o dia juntos? Acredito que tenham muito o que conversar.

— Sim! Mas nós vamos na eleição da tia Miri! Certo pai?

— Vamos sim, minha filha. Vamos juntos.

— Então vocês vão na carruagem com meu menino — disse Miri pegando o filho no colo e entregando-o para Gundemaro —, e cuidem bem dele.

— Será uma honra, Miri. Mas você deveria ir na sua carruagem, afinal é seu grande dia — disse Gundemaro enquanto oferecia um grande pedaço de presunto ao menino.

— Eu não preciso de uma carruagem para atravessar dois quarteirões. Sempre fiz esse caminho andando e continuarei a fazê-lo, mesmo que alguns do Círculo dos Luminares discordem disso. Agora, — disse Miri empurrando Elaine e Gundemaro em direção à saída — vamos que não quero me atrasar.

Gundemaro seguiu em direção à saída, carregando o menino em um braço e segurando os ombros da filha com o outro. Elaine, radiante, se agarrava à cintura do pai enquanto começava a contar sobre seus dias de treinamento com o tio Mauregato, as palavras fluindo com entusiasmo juvenil enquanto se distanciavam rumo à carruagem.

Mauregato e Miri se observaram por um momento, um entendimento silencioso passando entre eles.

— Amor... estou preocupada com Gundemaro. O pouco que conheço sobre o Tribunal e sobre a Penumbra... — Miri começou, sua voz carregada de apreensão.

— Miri... eu vou levar este assunto para a reunião de hoje. Eles terão que me ouvir. — Mauregato balançou a cabeça, suspirando. — Nestas horas eu sinto falta de Rolf. Aquela raposa já teria um plano em mente.

Sem dizer mais nada, eles iniciaram sua caminhada pelas ruas de Rizzard. O sol matinal iluminava as fachadas das casas, criando um jogo de luz e sombra que parecia dar vida à cidade. As ruas, inicialmente, estavam pouco movimentadas. Os sons de um dia comum começavam a se intensificar aos poucos: o ruído distante de carruagens, o som de passos apressados e as vozes que se elevavam nas conversas matinais.

Ao se aproximarem da Praça dos Templos, o cenário mudou drasticamente. A praça estava repleta de pessoas, todas aguardando ansiosamente a eleição para o novo membro do Círculo dos Luminares. A presença de Miri não passou despercebida.

— Olhe, é Miri! — sussurrou alguém na multidão, e logo os murmúrios de reverência e entusiasmo se espalharam. As pessoas se aglomeravam para vê-la de perto, algumas estendendo as mãos em um gesto de devoção, outras apenas olhando com admiração.

Para Mauregato, porém, a recepção era bem diferente. Os olhares que o seguiam eram de desconfiança e temor. Mesmo assim, ele mantinha a cabeça erguida, sua postura firme enquanto caminhava ao lado de Miri.

— Mauregato — murmurou um homem ao passar, seu tom carregado de ressentimento.

— Maldito — sibilou outro, as palavras mal disfarçadas por trás de um olhar hostil.

Miri apertou suavemente a mão de Mauregato e sorriu para ele, um gesto de apoio.

Ao chegarem à entrada da Catedral Imarcescível, uma estrutura imponente que se erguia majestosa as margens da praça, os murmúrios cessaram. Miri parou por um momento, respirando fundo, e olhou para Mauregato com um sorriso reconfortante.

— Obrigada por tudo. — Miri disse, se aproximando dele.

Ela encarou Mauregato nos olhos, deixando que ele visse a gratidão que brilhava neles. Em seguida, ela o beijou, um beijo profundo e cheio de paixão, ali mesmo, na entrada da catedral. Os fiéis que se amontoavam nas escadarias ficaram perplexos.

Eles subiram os últimos degraus juntos e, ao entrarem no salão, Miri seguiu sozinha para o centro da nave, atravessando a multidão de fiéis vibrantes. Mauregato, por outro lado, seguiu pela lateral, onde encontrou as escadas rumo às galerias.

Enquanto subia, ele se apoiou nas paredes e levou a mão ao peito, demonstrando um grande desconforto.

Chegando na galeria, que também estava repleta de fiéis, ele se recompôs e vasculhou o lugar até encontrar um caminho livre até outra escadaria. Chegando lá, ele foi interrompido por um grupo de homens. Observando-os mais atentamente, percebeu, com um olhar treinado, que eles ocultavam armas sob as vestes brancas.

Francesca Satin me aguarda. — Mauregato disse com tom pouco amigável.

Os homens ali pareciam saber quem ele era, pelo menos bem o suficiente para saírem da frente dele rapidamente. Ele subiu até o matroneu, uma área reservada apenas às mulheres da mais alta estirpe de Rizzard.

Sentada na cadeira de maior destaque na parte mais elevada do matroneu, estava uma senhora de idade avançada, mas de olhar perspicaz.

— Vossa Excelência. — Mauregato se curvou em reverência.

— Condottiere Mauregato. — A matriarca ofereceu a mão para ele.

Mauregato segurou cuidadosamente a mão de Francesca Satin. A luva que ela vestia era de uma seda tão delicada e alva que refletia intensamente a luz do sol que atravessava a abóbada no centro da nave. Ele inclinou-se para beijar um dos grandes anéis de ouro, repleto das mais refinadas gemas que já havia visto.

Com um gesto suave, Francesca sinalizou para suas damas de companhia, que prontamente colocaram uma cadeira ao lado dela. Mauregato sentou-se e pôde finalmente observar que a eleição já havia iniciado.

— O Condottiere conhece o procedimento? — perguntou ela, aproximando-se e encarando fixamente os olhos de Mauregato.

— Apenas sei que é uma votação aberta, Vossa Excelência.

— Ah, deixe disso, não estamos no Tribunal — disse ela, alcançando a mão de Mauregato e apertando-a suavemente entre as dela —, e muito em breve, será praticamente parte da família Satin. Então nada deste “Vossa Excelência” comigo.

Mauregato sorriu, ainda desconfortável com a situação.

— Muito bem, madame Francesca. Então, por favor, me ajude a entender o motivo de Miri ser a única candidata dentro do Círculo dos Luminares?

— Claro, meu jovem. O Círculo dos Luminares realiza todas as votações aqui, no centro da Catedral Imarcescível. Sempre sob a luz de Alos, deixando os assuntos mais relevantes para o meio do dia, assim Alos poderá guiá-los em sua infinita sabedoria.

— Eu confesso que o conceito de votar em público abertamente é estranho para mim. Miri disse que quanto mais relevante o assunto, maior a exposição. Caso um grupo de sacerdotes discorde dos outros, isso obrigaria eles a seguir com a maioria, por medo de repressão.

— Pelo contrário. As votações secretas são feitas sempre com o interesse de esconder objetivos que beneficiam a minoria em detrimento da maioria. Aqui, nós agimos sempre para o bem de todos, nunca para beneficiar um grupo.

— Pensamento nobre, mas venho de um lugar onde colocamos nosso interesse na frente dos demais, pois aquilo que não me beneficia, não me interessa.

A matriarca riu delicadamente com sua voz frágil.

— Ah, às vezes esqueço que é um servidor da Dama da Escuridão. Espero que Miri te traga para o lado da luz.

— Lamento decepcioná-la neste assunto, madame. Mas sou um devoto de Nox... — Mauregato novamente levou a mão ao peito, sentindo o desconforto aumentar ao dizer o nome da Dama da Escuridão.

— Se fosse apenas isso, meu jovem adorável, você teria sido consumido pela luz de Alos que emana da Abóbada Solar, assim como ocorreu com outros séculos atrás. Suas ações não ajudaram apenas sua Deusa. Vocês ajudaram todo o panteão.

— Gostaria que seu jeito de pensar fosse compartilhado por outros.

— Fique próximo de mim, que te ajudarei — Francesca apertou suavemente a mão de Mauregato. — Veja aquele quadro ali em destaque.

Ele olha para um quadro, visivelmente novo. A semelhança dele com o quadro é assustadora. — O que é isso? Sou eu?!

— Não mesmo. É uma homenagem a Trevor, o Compassivo. Seu avô agora está reconhecido pelos seus feitos a Alos. O quadro foi feito a sua semelhança. Acredite, isso irá ajudá-lo. Agora, sobre sua pergunta, Miri está quase chegando ao centro do Círculo. A cada voto que um candidato recebe, ele dará um passo em direção ao centro. Como pode perceber, apenas ela recebeu votos, e por isso é a única próxima ao centro. A tradição indica que o Luminar mais antigo do Círculo seja o primeiro a votar.

— Luminar Fredic Armer — disse Mauregato, apontando para o senhor mais ao leste do Círculo.

— Perfeito. E assim a votação seguirá pela ordem do Círculo, pela ordem de senioridade. Quando Miri chegar ao centro, ela estará eleita para o Círculo. Uma decisão quase unânime, na prática, e por isso ficamos sem um sumo sacerdote nos últimos três anos, desde o desaparecimento do Sumo Sacerdote Paoli Forner em Sord. Precisamos ter um Círculo completo para a eleição do Sumo Sacerdote, e até o momento não tínhamos a maioria necessária para eleger o décimo segundo Luminar.

— Veja, um voto foi dado a outro candidato — apontou Mauregato.

Francesca observou calmamente e chamou uma de suas damas com a mão.

— Avise meu escriba para seguir com o voto contrário à exclusividade da rota marítima para Valosh.

Mauregato sorriu, sua expressão transparecendo o tom irônico da situação.

Após mais um voto, Miri chegou ao centro do Círculo, e um silêncio profundo tomou conta da Catedral Imarcescível. Os fiéis presentes, que antes murmuravam entre si, agora observavam com expectativa contida. Quando os Luminares iniciaram o Cântico Sagrado, simbolizando a eleição de Miri como a nova Luminar, um murmúrio de aprovação e reverência percorreu a multidão. Muitos caíram de joelhos, enquanto outros levantaram as mãos em saudação à nova eleita. A emoção estava estampada nos rostos dos presentes.

Miri olhou ao redor e rapidamente encontrou Mauregato, mesmo ele estando distante e no lugar mais improvável. Ela levou as mãos ao rosto e gesticulou discretamente um beijo para ele e, na sequência, juntou as mãos em sinal de agradecimento, desta vez para a matriarca Francesca ao seu lado.

— Vejo que ela sabe — disse Francesca com um tom inquisitivo.

Mauregato ri e balança a cabeça — é impossível esconder qualquer coisa dela, há muito já desisti disso.

— Ótimo. Isso mostra que minha escolha foi correta.

— Miri é de longe a melhor opção para entrar no Círculo. É claro que sua escolha foi a correta... eu diria até que ela era a única escolha.

— Não estou falando disso. Ela já era a escolhida para o Círculo — a matriarca se apoiou no encosto da poltrona. — Em breve, o Sol estará alinhado sobre o Círculo e a votação para Sumo Sacerdote começará.

— Espere um momento... você não estava convencendo os Luminares a aceitar Miri no Círculo. Você os convenceu a elegê-la Suma Sacerdotisa de Alos?!

Em resposta, Francesca apenas colocou o dedo na frente dos lábios. — Para um devoto do silêncio, você está falando demais, meu rapaz.

A realização do que estava para ocorrer ali deixou Mauregato atordoado. A luz do sol brilhava cada vez mais intensa com a proximidade do meio-dia e a pressão crescia em seu peito, dificultando cada vez mais sua respiração. Ele encara a luz emanando da abóbada como se a desafiasse.

A luz se intensificou, seu brilho era ofuscante, e ele fechou os olhos, sentindo seu corpo ser transportado para um lugar além de sua compreensão.

Quando abriu os olhos novamente, encontrou-se em um cenário totalmente diferente, um lugar de ruínas antigas. O chão estava coberto de pedras desgastadas pelo tempo, e ao centro erguiam-se oito grandes pilares, majestosos e imponentes. Quatro deles sustentavam figuras envoltas em áureas ferventes de pura energia, cada uma em um tom distinto, irradiando poder. As cores vibrantes das áureas dançavam ao redor das figuras, criando um espetáculo de luz e sombra.

Ele e seus companheiros estavam escondidos atrás de uma parede e diante deles, estava uma bela mulher. Seus cabelos eram longos e negros e contrastavam com sua pele perfeitamente pálida. Ela vestia um manto cinza ornamentado com runas élficas e apoiava uma mão em um longo cajado negro adornado de uma ponta a outra em intricado padrão de prata reluzente. Seus olhos brilhavam com uma intensidade hipnotizante.

— Vocês devem aproveitar este momento para destruir o Selo da Magia — disse ela confiantemente.

Brynjolf balança a cabeça negativamente. — Se aguardamos mais um pouco, Skalen Of Noria destruirá o selo faltante. Devemos aguardar pelo menos mais um dia.

— Skalen? Brynjolf, você só pode estar brincando. — Responde Alcaraz sem esconder sua irritação com a sugestão.

— Não podemos esquecer do que Ghai’r’khlu nos disse sobre sobre o filho de Hawsrak. — Disse Sihtric com a voz baixa, tentando não ser ouvido pela mulher.

A misteriosa companheira deles bateu com o cajado no solo. — Skalen irá libertar Inlek ao destruir o Selo do Gelo. Se Inlek chegar aqui, acabou!

A Viúva levanta a mão e aguarda até conseguir a atenção de todos. — Temos que seguir o que Nossa Dama determinou para nós. Por mais que a situação não seja ideal, temos que destruir o selo agora, conforme a Arquimaga falou.

— Isso dá um significado completamente novo para uma missão suicida. — Mauregato fala encarando a Viúva e ela apenas sorri para ele com um olhar condescendente.

— Mauregato! Vencemos!

A explosão. Um clarão de intensidade inexplicável consumindo tudo a sua volta. Após isso apenas escuridão. O confortável abraço, o descanso desejado após uma vida de luta. O afago de uma mãe que te ama além da compreensão.

— Vamos Mauregato, quero ser uma das primeiras a parabenizá-la.

A sensação de completitude foi efêmera. A dolorosa luz volta, açoitando a pele, reverberando a sua volta. As árvores balançam a sua volta, a aflição delas ecoando pelo vento. Mauregato, encara elas e vê elas se transformarem em mulheres. Ele estava novamente na Catedral.

— Levante-se Condottiere. — Disse Francesca já sem paciência com a demora dele.

— Desculpe madame. Fui pego de surpresa pelos acontecimentos. — Ele levanta-se e percebe que todas as mulheres matroneu estavam em pé aguardando a matriarca sair, aguardando ele acompanhá-la.

Mauregato oferece o braço e começa a auxiliá-la na descida da escada.

— Sei que em breve terá uma reunião com a Liga dos Dez, mas faça o que for, mantenha Giancarlo Badoer entretido com a noção de poder através da riqueza. Enquanto este homem achar que o poder vem do ouro que ele detém, todos nós estaremos seguros.

— Não será muito difícil, afinal ele é a pessoa mais rica de Rizzard, provavelmente do mundo. O que mais ele pode querer?

A matriarca ri. — Dinheiro não é poder, meu jovem. As riquezas podem ser retiradas das mãos de qualquer um. O poder está em fazer as pessoas se curvarem perante a ti, por medo, por admiração ou ainda melhor, quando eles nem sabem o motivo, apenas sabem que devem se curvar a sua presença.

Mauregato observa as pessoas abrirem caminho para a matriarca da dinastia Satin, vê elas se curvarem perante ela.

— Então impregne Giancarlo com a noção que o dinheiro é tudo que ele precisa.

Ao chegarem no Círculo, a atenção de todos que comemoravam e exaltavam a recém-eleita Suma Sacerdotisa foi entregue a Francesca. Mesmo os consagrados Luminares se organizaram para cumprimentá-la. Ela os ignorou com graciosidade e seguiu diretamente até Miri.

Com a chegada da matriarca, Miri começou a curvar-se, mas Francesca balançou a mão, relembrando ela da nova posição. Com a ajuda de Mauregato, ela se colocou de joelhos perante Miri. O som dos sussurros espalhou-se entre os fiéis, um coro de surpresa e admiração.

— Oh Escolhida de Alos, primeira entre todos os devotos, dê-me a honra de ser abençoada por ti, aqui sob o Solar — disse Francesca, tentando elevar a voz.

Miri ergueu os braços em direção ao sol e formou um triângulo entre os dedos. A luz que atravessava a abóbada parecia intensificar-se ao redor dela, criando um halo de brilho dourado.

— Que a luz de Alos, eterna e resplandecente, ilumine seu caminho, Francesca. Que seus passos sejam guiados pela sabedoria do Sol e que seu coração seja aquecido pela chama divina. — Miri falou com uma voz que ressoava por todo o Círculo, imbuída de poder e serenidade.

Ela abaixou as mãos, tocando suavemente a testa de Francesca, como se transferisse uma parte daquela luz celestial para a matriarca.

— Sob a proteção do Sol eterno, que Alos a abençoe com prosperidade, saúde e proteção. Que a graça do nosso Senhor radiante resplandeça em sua vida e traga sempre o caminho da verdade. — Miri finalizou a bênção, seus olhos fixos nos de Francesca, que retribuiu com um olhar de profunda gratidão e reverência.

Francesca se levantou com a ajuda de Mauregato, visivelmente emocionada. Ela segura a mão da jovem sacerdotisa e se inclina com dificuldade para beijar a mão. Ela pede ajuda as damas que a acompanhavam e sem dizer uma palavra ela sai, enxugando as lágrimas do rosto com um lenço.

Mauregato suava, e mantinha uma mão sobre o peito. Sua respiração vinha com dificuldade, desde o momento que chegou ao centro do Círculo.

Ele se aproximou de Miri e mal conseguiu olhar para ela, a luz que refletia nela quase o cegava. — Miri, preciso ir para minha reunião com a Liga. Em casa, celebramos.

— Está tudo bem? — Miri tenta se aproximar dele.

— Está sim, apenas estou atrasado. — Mauregato diz se distanciando dela, saindo em direção a porta.

Miri observa com preocupação enquanto ele desaparece rapidamente entre os fiéis.

Acelerando o passo, Mauregato entrou na primeira carruagem que aguardava ali. Aos poucos, ele começou a respirar normalmente, sentindo o alívio tomar conta de seu corpo. Finalmente, ele tirou a mão do peito e buscou um lenço em seu bolso, enxugando o suor do rosto.

As ruas de Rizzard vibravam com a energia do início da tarde. O burburinho das pessoas, o som das rodas das carruagens nos paralelepípedos, e os gritos dos vendedores ambulantes enchiam o ar. As fachadas das casas, iluminadas pela luz do sol, passavam rapidamente pela janela da carruagem, criando um borrão de cores e formas.

A carruagem avançava pelas ruas sinuosas da cidade, passando por mercados movimentados e bairros residenciais tranquilos. Os aromas de pães frescos e especiarias se misturavam no ar. Mauregato estava com sua mente distante, estático.

Ao se aproximarem do centro administrativo da cidade, a arquitetura começava a mudar. Edifícios mais altos e ornamentados surgiam, cada um mais grandioso que o anterior. As ruas se tornavam mais largas e menos congestionadas.

A carruagem finalmente parou em frente ao imponente Palácio de Rizzard, uma estrutura de mármore branco com colunas imensas e detalhadas esculturas que adornavam a entrada. Guardas em uniformes impecáveis estavam posicionados ao longo da escadaria, seus olhares atentos.

Mauregato desceu da carruagem, endireitando suas roupas e ajustando sua postura. Ele respirou fundo. Enquanto subia os degraus do palácio, os guardas o saudavam com acenos respeitosos. Ao chegar ao topo, ele parou por um momento, observando as portas enormes que se abriam diante dele, revelando o saguão grandioso do palácio.

Dentro, o ambiente era de opulência. Lustres de cristal pendiam do teto alto, lançando luzes cintilantes sobre o mármore polido do chão. Tapeçarias ricas em detalhes e cores adornavam as paredes, retratando cenas históricas e mitológicas de Rizzard. Em contraponto a tudo isso, os sons de gargalhadas ecoavam pelas paredes.

À frente, as entradas do salão da Assembleia estavam abarrotadas. As pessoas se amontoavam para assistir ao que transcorria no plenário abaixo. Mauregato abriu caminho para alcançar as escadas para a Galeria dos Fundadores onde foi recebido por uma jovem com uma elaborada capa com os brasões de Rizzard e da Assembleia.

— Eu sou Mauregato e vim para uma reunião com a Liga.

— Seja muito bem-vindo, Condottiere Mauregato. Estava a sua espera, venha comigo.

Ela segue um pouco a frente dele. A Galeria acima estava quase vazia, apenas algumas pessoas sentadas confortavelmente ali. Era possível reconhecer alguns rostos, membros das mais abastadas Casas de Rizzard.

— Vejo que as pessoas abaixo estão bastante empolgadas com a Assembleia de hoje. — Disse Mauregato olhando do parapeito, tentando entender o que ocorria abaixo.

—Sim, Senhor Mauregato. Venha, pode sentar aqui e acompanhar a conclusão da Assembleia das Casas. Ainda terá que aguardar um pouco, pois a Liga ainda está deliberando outro assunto.

Ela aponta uma cadeira ao lado tem uma mezinha com vinho, água e algumas frutas. Ela começa a servir vinho, mas Mauregato a interrompe.

— Apenas água é o suficiente. Recebi este conselho mais cedo e estou vendo o valor dele agora.

— Pois bem. Aqui está sua água. Deseja algo mais?

— Obrigado. Apenas uma dúvida, o que está ocorrendo no Plenário?

— É a conclusão da sessão. As pessoas ficam alvoroçadas pelo desfecho. Este é momento que o Rei de Rizzard apresenta um veredito para algum tema que foi decidido, especialmente quando o tema é controverso.

Abaixo, no plenário, um bufão se destacava como uma figura grotesca, sentado no trono elevado, uma paródia viva da realeza. Suas vestes, um amontoado de cores berrantes e sinos tilintantes, contrastavam com o ambiente austero, onde a seriedade deveria reinar. Suas orelhas denunciavam sua origem, era um elfo.

Ao centro do plenário se aproximava um homem vestido como um emissário de Legransk. Ao ajoelhar-se diante do bufão, ofereceu um pergaminho. — Oh Grande Realeza! Aceite minha proposta de entrar no Magnífico Protetorado, para ser um servo de Rizzard!

O bufão, em um movimento lento e carregado de sarcasmo, pegou o pergaminho. Sua expressão era de exagerada solenidade, como se estivesse prestes a descortinar um segredo milenar. Ao desenrolar o documento, no entanto, o que viu foi um mapa toscamente desenhado de Legransk. Seus olhos se arregalaram em uma expressão caricata, e logo um riso sibilante escapou de seus lábios, reverberando pelas paredes do salão como uma maldição.

Sem dizer uma palavra, ele amassou o pergaminho lentamente, cada movimento impregnado de desdém. O papel foi lançado por sobre seu ombro, como um lixo mais insignificante. A plateia explodiu em gargalhadas, um coro de escárnio que ecoou como um trovão.

O bufão não parou por aí. Ele pegou uma coroa de papel e colocou-a de forma desajeitada na cabeça, começando a cambalear e tropeçar pelo palco, fingindo que o peso da coroa era insuportável. A cada passo desajeitado, ele fazia caretas de dor e exagerava suas expressões, arrancando mais risos da plateia.

Durante um breve momento, o Rei de Rizzard olha para cima e por um ínfimo instante, como se reconhecesse alguém, ele para, mas logo retoma seu ato. Mauregato observa na direção do que distraiu o bufão de sua performance e vê no lado oposto da Galeria dos Fundadores a presença de outros dois espectadores. Ele identifica Teodor Zago, mas não o outro. Aparentemente um elfo. Ele percebe que a conversa entre os dois não era amistosa e a face do elfo transparecia desprezo.

Sem se despedirem, cada um segue seu caminho. O elfo em direção da saída e Teodor em direção a Mauregato.

— Mauregato! Grande comandante da Legião de Ferro! — Teodor diz quase gritando com os braços abertos como se fosse abraçar ele.
Mauregato apenas estende a mão para cumprimentá-lo. — Espero que esteja tendo uma boa tarde, Teodor.

— E que tarde incrível estamos vivendo, certo? — Ele examinou o Condottiere com uma feição de incredulidade. — Imaginava que estaria vibrando agora! Você viu resultado da Assembleia, não viu? Seu contrato com Konigar está aprovado. Legransk falhou miseravelmente em assegurar um acordo para entrar no Protetorado.

— Acredito que deveria agradecer a quem apagou a vela da esperança deles.

Teodor fica surpreso. — Você aprende rápido! Já está fluente em nossa insinuação. Não irei assumir todo o crédito. Legransk fez boa parte do trabalho sozinha, a partir do momento que não aceitou alguns termos da Liga. Claro, que a comunicação teve alguns percalços. — Teodor pisca para ele.

— Há pouco você não parecia tão eufórico. Quem era o seu amigo elfo?

Teodor hesita por um instante. — Elfo? Ah! Ninguém relevante, apenas assuntos da Penumbra. — Teodor bate com a palma da mão na testa, teatralmente exagerando. — Desculpe-me, quase esqueci! Parabéns pela eleição de Miri! Quem diria que o Conselho estaria tão intimamente relacionado com o alto Círculo de Alos!

O rosto de Mauregato fica com uma expressão ainda mais severa. — O Conselho de Nox em nada tem a ver com a eleição de Miri. Este mérito é dela exclusivamente. Resultado da dedicação dela ao Deus que ela adora.

Teodor observa Mauregato, como se estivesse planejando seu próximo passo, mas é interrompido pela jovem que havia recebido Mauregato.

— Senhores, desculpe-me incomodá-los, mas o Decano Giancarlo Badoer aguarda-os no Gabinete.

— Ótimo! Estávamos cansados de esperar. Certo, Mauregato?

Mauregato ignora Teodor e apenas acena em agradecimento à jovem, que os conduz ao gabinete. Ali, naquele setor onde ficavam os gabinetes dos decanos da Liga dos Dez, o Palácio de Rizzard era ainda mais imponente. Os corredores eram largos, com paredes revestidas em mármore branco que refletiam a luz suave das luminárias de cristal. As portas dos gabinetes, ornamentadas com intricados entalhes, exibiam os brasões das dinastias e estátuas de figuras históricas das famílias fundadoras adornavam nichos ao longo das paredes. Guardas discretamente posicionados completavam o cenário.

A jovem bate em uma das imponentes portas e um guarda a abre. Revelando um interior com decoração exuberante e intrincada. No final do gabinete, sentado à mesa de frente para eles, está Giancarlo Badoer, acompanhado dos decanos Marco Malvestio e Lucrezia Bettin.

Mauregato atravessou a porta, Teodor seguiu logo atrás. A luz que filtrava pelas cortinas ricamente bordadas lançava sombras distorcidas sobre o chão de mármore, criando um cenário de grandiosidade sufocante. Giancarlo Badoer, em sua postura autoritária, estava sentado atrás de uma mesa massiva, os dedos tamborilando levemente sobre o braço da cadeira, o rosto uma máscara de impassividade. A sua frente, sobre a mesa, pilhas de moedas diversas estavam distribuídas sobre um complexo xadrez marcado com símbolos incompreensíveis.

À lateral da mesa, Marco Malvestio, cuja expressão era de desagrado mal disfarçado, segurava um cálice de vinho com a mão firme, como se o próprio ato de apertar o cálice pudesse afastar a ideia que o incomodava. Seus olhos estreitos fixaram-se em Mauregato, carregados de uma aversão que não precisava de palavras para ser compreendida. Lucrezia Bettin, a única mulher na sala, se mantinha em pé com uma leve inclinação para frente, seus lábios curvados num sorriso que não alcançava os olhos.

— Sejam bem-vindos ao Gabinete Badoer. — Diz friamente Giancarlo, sem nenhum sinal de emoção.

Após um desconfortável silêncio, Teodor inicia. — Muito bem, Eu e Mauregato agradecemos a Liga dos Dez e, principalmente aos senhores, pela impecável execução política.

— Exatamente. A Legião de Ferro, reitera seu compromisso com a Liga e com Rizzard. — Mauregato observa que os decanos estão aguardando por algo mais. — Agora que temos nosso objetivo definido, preciso prosseguir com a contratação dos mercenários. Nossos contratos em Odesa, como é de interesse de todos, serão mantidos com o efetivo atual. Por isso, solicitei a antecipação de recursos para contratar formidáveis guerreiros de Mourak, a Companhia de Semseddin.

Giancarlo, finalmente, quebrou o silêncio, sua voz fria cortando o ar. — Você pede por mercenários, Mauregato, como se fossem uma solução barata. Entretanto nunca invisto para ter pequenos ganhos, pois como pode ver, os recursos, — Ele abre os braços sobre a mesa, destacando as moedas meticulosamente distribuídas ali, naquele complexo mosaico. — Já estão distribuídos.

Mauregato manteve-se firme, o olhar desviado apenas o suficiente para evitar o brilho impiedoso de Giancarlo. — Esses mercenários são uma força que pode nos dar a vantagem necessária, mas eles têm um preço.

Antes que Giancarlo pudesse responder, Marco Malvestio, com uma risada fria, girou o cálice em suas mãos. — E quanto à Antillia? Nossa aliança com os Adarbrent e a manutenção de nosso acordo dependerá disso.

— Este é o ponto, Mauregato. Os Adarbrent estão quase extintos. Pelo que sabemos os segredos marítimos para chegar às terras míticas de Antillia foram passados para os últimos descendentes desta Casa. Porém este segredo pertence a Rizzard e não a Konigar. — Disse Giancarlo batendo as pontas de seus dedos sobre a mesa enquanto encara Mauregato.

Mauregato gesticula, pedindo calma. — Os senhores podem ficar tranquilos. Eu visitei Brynjolf em Elisburg e posso garantir que ele não conhece nada sobre Antillia e ele está em busca do primo dele, Aidan.
Marco balança a cabeça negativamente. — Então, você seguirá com apenas os recursos já tem.

A voz de Lucrezia cortou o ar, baixa e sedosa, porém carregada de um peso que fez Marco virar a cabeça em sua direção. — Ganância, Marco, é algo que conhecemos muito bem, não? Mas é também uma ferramenta, se usada corretamente. Se usarmos os guerreiros de Mourak, preservamos nossos próprios homens, nosso próprio sangue, ao deixá-los sujar as mãos por nós. Deixe que lutem, que morram por nós. E depois... bem, depois nós lidamos com os Adarbrent, se eles se deixarem levar pela ganância.

O ambiente ficou mais carregado, as palavras de Lucrezia penetrando lentamente, como veneno. Giancarlo manteve o olhar em Mauregato, sua mão parando o tamborilar por um momento. — Então, condottiere, pagaremos pelos seus mercenários de Mourak e você garantirá que Konigar fará um acordo conosco caso Antillia reapareça no mapa.

— Eu não garanto nada, — respondeu Mauregato, sua voz baixa, mas carregada de uma convicção sombria. — Mas enquanto o ouro correr, e enquanto tiverem algo a temer, estarão dispostos a fazer qualquer acordo. E isso é mais do que posso dizer sobre muitos que chamamos de aliados.

Teodor olha surpreso para Mauregato. — Nós faremos o que estiver em nosso alcance para que Antillia seja compartilhada entre Konigar e Rizzard. Certo, Mauregato?

— Não venha com sua lábia política aqui conosco, Teodor Zago. — Marco bate o cálice de vinho sobre a mesa. — Mauregato, aqui é de onde vem as decisões de Rizzard. Somos nós aqui decidimos o futuro deste mundo, e não alguma vagabunda numa ilha fétida no meio do nada. Precisamos de garantias para conseguir os recursos.

Mauregato levanta-se da cadeira e encara Marco.

— Não vamos agir como bárbaros, estamos no centro civilização e não em alguma tribo do Norte, queridos. — a voz suave e apaziguadora de Lucrezia fez com que Marco e Mauregato voltassem para seus lugares.

Giancarlo apenas observa com um aparente desinteresse. — Mauregato, seus companheiros são um motivo de preocupação para Rizzard. Estamos buscando formas de nos aliarmos, mas o histórico recente mostra o quão instável nossa parceria pode ser.

— Eu entendo. Mas precisa entender que há anos nós somos ferramentais para o desenvolvimento de Rizzard e, em especial, no crescimento de cada um de vocês. Eu gerencio as armas de Rizzard no exterior, Brynjolf melhorou as relações comerciais com Konigar, Sihtric garantiu a rota de comércio para o norte, a Viúva criou um braço diplomático com Noria e Alcaraz...

Marco interrompe Mauregato. — E Alcaraz matou Anzolo Badoer! Tio de nosso estimado amigo Giancarlo aqui, que você vem suplicar recursos!

— Sim, Marco. Justamente! E isso centralizou o controle da fortuna da Casa Badoer nas mãos corretas. — Mauregato disse triunfante. — E ouro, é o sangue do poder. Graças a este poder, estamos reunimos aqui no Gabinete Badoer.

Um breve sorriso surge no rosto de Giancarlo. Ele pega algumas moedas da maior monte no centro da mesa e as coloca sobre uma pequena pilha marcada por um símbolo que se assemelha a uma espada e escudo. — Você conseguiu seus mercenários, mas lembre-se dessa reunião nas suas próximas decisões, Mauregato.

Mauregato levanta-se e curva-se respeitosamente para Giancarlo. Ele acena sutilmente para Marco e vai em direção de Lucrezia. — Madame Bettin. — Ele disse em voz baixa. — Precisamos falar no início desta noite.

Teodor se curva perante Lucrezia que estende a mão para ele a beijá-la. — Vejo que vocês tem assuntos para resolver, então seguirei meu caminho, para resolver os meus. — Teodor pisca para Lucrezia e segue a passos rápidos descendo as escadas.

Lucrezia caminha até o corredor com Mauregato ao seu lado, seguido em direção ao Gabinete Bettin. — Que adorável Mauregato. Venha comigo, até meu gabinete. Lá é muito mais agradável que aquele mausoléu dos Badoer.

Mauregato acompanhou Lucrezia em direção ao Gabinete Bettin, o som dos passos de ambos ecoando pelo corredor de mármore. Os guardas à frente do gabinete abriram as portas com uma reverência discreta.

O interior do gabinete era completamente diferente do Gabinete Badoer. As paredes escuras de madeira entalhada contrastavam com os delicados detalhes em ouro que brilhavam suavemente sob a luz das arandelas. A mesa central de carvalho polido, rica em documentos e adornada com artefatos de valor inestimável, dominava o centro do espaço, enquanto um tapete de veludo vermelho e dourado suavizava os passos, tornando o ambiente ao mesmo tempo acolhedor e imponente.

Lucrezia se movia com a graça de uma predadora elegante, cada passo calculado, cada movimento sutilmente sensual. Ela dispensou as jovens empregadas que estavam à sua disposição com um gesto delicado, mas firme, deixando claro que desejava privacidade.
— Deixem-nos, — ela ordenou suavemente, e as jovens obedeceram sem hesitar, deixando a sala silenciosa e intensamente pessoal.

Lucrezia aproximou-se de Mauregato, com a suavidade de uma brisa noturna, e se posicionou ao lado da mesa. Em um gesto quase íntimo, ela serviu uma taça de vinho para ele, seus dedos roçando levemente os dele ao entregar a bebida.

— Espero que encontre conforto aqui, — murmurou Lucrezia, com uma voz que era um sussurro de seda. Ela se inclinou ligeiramente, permitindo que a fragrância de seu perfume sofisticado envolvesse Mauregato, antes de indicar uma cadeira próxima à sua mesa.

Enquanto ele se acomodava, Lucrezia sentou-se diante dele, os olhos fixos nos dele, com uma intensidade que misturava interesse e domínio. Ela tomou um pequeno gole de sua própria taça, sem desviar o olhar, permitindo que o silêncio inicial construísse uma tensão quase palpável entre eles.

— Gostaria de falar diretamente com você, pois o assunto é crítico. — Mauregato falou com a voz baixa, claramente desconfortável com o assunto.

Lucrezia sorriu levemente. Ela parecia quase se divertir com o desconforto de Mauregato. Seu olhar deslizava sobre ele, avaliando cada detalhe de sua postura e de suas palavras com uma precisão quase predatória.

— Crítico? — Ela repetiu, com a voz suavemente provocante. — Oh, Mauregato, você sempre foi direto ao ponto, não é? Mas me diga, por que essa pressa? Estamos aqui, sozinhos, sem ninguém para nos interromper... — Ela fez uma pausa, sua voz adquirindo um tom mais íntimo e carregado de intenção. — Temos todo o tempo do mundo.

Mauregato abriu a boca para continuar, mas antes que pudesse falar, Lucrezia se levantou graciosamente, deslizando ao redor da mesa até estar ao lado dele. Ela se inclinou, colocando uma das mãos no encosto da cadeira dele, o outro braço descansando suavemente sobre o ombro de Mauregato. A proximidade dela era intoxicante, a fragrância de seu perfume preenchendo o espaço entre eles.

— Você sabe, Mauregato, sempre admirei sua devoção... — sussurrou ela, com uma voz sedosa. — Ser um Escolhido de Nox... uma bênção, sem dúvida, mas também um fardo. Um fardo que, eu imagino, você deve carregar sozinho, sem ninguém para dividir o peso, sem ninguém para compreender verdadeiramente o que você sacrifica.

Lucrezia então se afastou ligeiramente, mas não o suficiente para quebrar a conexão que havia estabelecido. Ela inclinou a cabeça, seus olhos fixos nos dele, a sugestão de um sorriso brincando em seus lábios.

— Mas por que não permitir que alguém, por um breve momento, compartilhe desse fardo com você? Afinal, a escuridão de Nox tem seus segredos, suas tentações... por que lutar contra algo que está em sua natureza? — A voz dela era um convite, cada palavra escolhida com cuidado para infiltrar-se na mente de Mauregato, para instigar pensamentos que ele preferia manter reprimidos.

Ela inclinou-se ainda mais perto, seus lábios quase roçando a orelha de Mauregato enquanto ela sussurrava, — deixe-me ser a escuridão que você tanto venera, Mauregato... deixe-me ser sua tentação. Aqui, agora.

— Lucrezia... infelizmente, não tenho todo este tempo.

Ela virou de costas, apoiando os cotovelos sobre a mesa, e, com um movimento lento e deliberado, ergueu o vestido negro. As pernas reveladas eram longas e perfeitamente esculpidas, com uma suavidade que contrastava com o tecido áspero da mesa. A pele pálida e macia, sem qualquer imperfeição, tinha um brilho sutil à luz do gabinete, acentuando cada curva graciosa. O contraste entre a escuridão de seu vestido e a pureza de sua pele criava uma imagem que era ao mesmo tempo provocante e hipnotizante.

— Lucrezia, você está brincando com fogo — ele sussurrou, sua voz carregada de tensão.

Ela riu suavemente, uma risada baixa e quase sedutora, enquanto se inclinava ainda mais, o vestido negro deslizando ainda mais para cima, revelando mais de suas pernas.

— E não é exatamente isso que você adora, Mauregato? O perigo, a tentação, o jogo? — ela provocou, sua voz agora quase um sussurro. — Ou será que o temido Escolhido de Nox tem medo de uma simples mulher?

— Você não precisa fazer isso, Lucrezia. Somos mais do que esse jogo. — Suas palavras eram tanto um lembrete para ela quanto uma tentativa de se fortalecer.

Mas Lucrezia, implacável, virou-se para ele, os olhos cintilando com uma mistura de desafio e desejo. — Talvez, mas agora é isso que eu quero. E você também, Mauregato... admita.

Ele fechou os olhos e respirou fundo. — A Legião cometeu uma falha grave.

O rosto dela se fechou numa expressão de raiva. — Você falhou conosco Mauregato, é isso?

— Minhas tropas em Devon descumpriram ordens diretas.

O sorriso sedutor voltou para o rosto dela, agora com um tom de alívio. — Então por que essa preocupação toda? Algum dos seus homens irá pagar, e não você, meu escolhido divino. — ela disse enquanto sua mão alisava o rosto do guerreiro.

— Não foi um mercenário qualquer. Foi o meu próprio irmão.

Lucrezia, esboçou um sorriso sutil, como uma predadora que finalmente vislumbra sua presa em um momento de fraqueza. Seus olhos, porém, brilharam com uma luz fria e calculista, revelando o prazer sádico que ela sentia ao ver o desconforto do guerreiro.

— Seu irmão... — ela murmurou, deixando a informação pairar no ar, como se estivesse saboreando o poder que aquela revelação lhe conferia. — Então, é esse o peso que carrega em seus ombros, Mauregato?

Ela aproximou-se ainda mais, seus lábios quase encontrando os dele, o hálito quente e perfumado envolvendo-o. — Mas o que você teme, exatamente? — sussurrou, a voz doce e venenosa. — Que seu querido irmão sofra as consequências de sua indisciplina? Ou que a Penumbra faça o que faz de melhor?

Mauregato sentiu um arrepio percorrer sua espinha, mas manteve a postura, tentando não se deixar abalar pela insinuação da decana. Ela sabia.

— Você não precisa se preocupar, — ela continuou, o tom de voz baixando ainda mais, quase num sussurro. — Afinal a escuridão te protege, não é mesmo? E eu... — Lucrezia deixou as palavras no ar, sua mão deslizando pelo peito de Mauregato, enquanto seus olhos não deixavam os dele. — Eu posso garantir que tudo ficará... sob controle.

Ela afastou-se um pouco, apenas para observar a expressão de Mauregato, buscando qualquer sinal de desespero ou fraqueza. Então, com um movimento ágil e gracioso, ela voltou à posição ereta, alisando o vestido e ajustando-se, como se nada tivesse acontecido.

— Agora, voltemos ao que realmente importa, Mauregato, — disse Lucrezia, a voz suave retomando seu tom cortês, embora o sorriso irônico ainda pairasse em seus lábios. — Como podemos garantir que os interesses da Penumbra permaneçam intactos, apesar dos atos imprudentes da Legião de Ferro?

Mauregato levantou-se abruptamente da cadeira, seu olhar endurecendo. Em um movimento rápido, ele pressionou Lucrezia contra a mesa. Com uma mão firme em sua cintura fina e a outra puxando seus cabelos, forçando sua cabeça para trás. Apesar da força e da ameaça implícita, os olhos de Lucrezia permaneceram fixos nos dele, desafiadores, e aquele sorriso irônico não se desfez.

— Diga seu preço, — ele murmurou, a voz grave, enquanto a mantinha naquela posição vulnerável. Ela, no entanto, não demonstrava medo, apenas um domínio calculado da situação, como se tudo estivesse exatamente conforme seus planos.

— Você sabe o que eu quero.

— E com isso meu irmão estará perdoado?

Ela coloca o dedo no canto da boca, olhando para cima como se estivesse ponderando, e deixa escapar uma risada suave.

Mauregato a ergue e a coloca sobre a mesa. Com brutalidade, ele começa a rasgar o vestido dela enquanto beija seu pescoço perfumado.

Ela tenta alcançar os lábios dele, mas ele a segura. — Prometa que me ajudará. Que poupará meu irmão.

Ela o puxou para perto, sua boca encaixada no ouvido dele enquanto sussurrava: — Agora, apenas Nox pode ajudá-lo. A ordem já foi executada.

Com um movimento rápido e brutal, Mauregato agarrou o pescoço dela com sua mão. Os olhos de Lucrezia se arregalaram de surpresa, enquanto ela tentava, em vão, afastar o braço dele com suas mãos delicadas. A força dele era indomável, esmagadora. O ar começou a faltar, e ela se debateu, tentando falar... tentando gritar, mas tudo o que saiu foi um gorgolejo sufocado.

Mauregato a fitou, impassível, enquanto ela se debatia. — É isso que você quer? — disse ele, sua voz baixa e perigosa. — Quanto mais vocês me tiram, menos razões tenho para proteger vocês de mim mesmo. Posso destruir tudo o que têm, Lucrezia. Tudo.

Com isso, Mauregato soltou Lucrezia, que desabou sobre a mesa, ofegante e tremendo enquanto lutava para recuperar o fôlego.

— Foi por isso que Teodor saiu tão apressado? Ele foi garantir que a ordem fosse cumprida? — Mauregato se aproximou novamente, segurando-a firme, forçando-a a encarar seus olhos. — Ainda temos muito o que arrancar um do outro. — Ele disse enquanto segurava o rosto dela com uma mão. — Mas essa foi última vez que Teodor arracou algo de mim.

Lucrezia, com a voz rouca, sussurrou com dificuldade: — O que... o que você planeja? Matar Teodor?

— Vou deixar meu próprio recado para que nunca esqueçam com quem estão lidando.

Lucrezia ensaiou uma gargalhada, mas sua voz rouca a impediu. De qualquer forma, Mauregato a ignorou, se afastando em direção à porta.

— Ei! O que pensa que está fazendo? Depois de tudo isso vai me deixar assim? — Ela exibiu sensualmente seu corpo desnudo sobre a mesa.

— Considere isso uma lição.

Ao sair, ele ouviu o som de uma taça de prata batendo contra a porta, o vinho derramando no chão.

Mauregato seguiu apressado pelos corredores do Palácio de Rizzard, descendo as escadas e navegando o labirinto de passagens estreitas. Enquanto virava rapidamente uma esquina, quase colidiu com uma figura trajando roupas coloridas e extravagantes.

— Cuidado, plebeu! Não ouses tocar Vossa Realeza! — A voz afetada e ridiculamente rebuscada fez Mauregato parar bruscamente, voltando-se para ver quem quase havia atropelado.

— Rei de Rizzard? — disse ele, o sarcasmo evidente.

— O único. — respondeu o bufão, levantando o queixo em um gesto teatral.

— Tenha uma boa tarde, Vossa Realeza. — Mauregato replicou secamente, dispensando o excêntrico com um leve aceno antes de seguir seu caminho.

— Condottiere, lamento interrompê-lo, mas acredito que precisará agendar uma audiência comigo. — O tom do bufão, agora mais sério, fez Mauregato parar por um instante.

— Outro momento. Tenho uma emergência. — respondeu Mauregato, sua voz impaciente.

— Exatamente, — insistiu o bufão, os olhos brilhando com astúcia. — Sua companhia acabou se metendo com quem não devia.

— Se está aqui para dar algum recado da Penumbra, está perdendo seu tempo. — Mauregato respondeu, com o olhar endurecido, determinado a encerrar a conversa.

— Avisar-te-ei de um que até a Penumbra faz questão de evitá-lo. Refiro-me ao elfo que viu com Teodor. — O bufão apontou para suas próprias orelhas élficas, um gesto dramático, como se isso confirmasse a seriedade do que dizia.

— Eu percebi que você o conhecia durante sua performance. Quem é ele? — Mauregato perguntou, estreitando os olhos.

O bufão se jogou exageradamente contra a parede, como se fosse uma tábua longa e prestes a quebrar. — Muitos nomes ele já teve ao longo de sua vida, mas entre os elfos, ele é conhecido como Quatano.

— E o que a Legião de Ferro tem a ver com esse que chama de traidor? — Mauregato retrucou.

— Ah, vejo que domina a língua ancestral. Bravo! — respondeu o bufão, fingindo bater palmas, o sorriso afetado em seus lábios. — Mas vamos ao que importa. O negócio que seus homens destruíram... pertencia a ele.

— Claro, faz todo sentido. Quem mais, além de um elfo, para escravizar seu próprio povo? — Mauregato respondeu com sarcasmo, seus olhos fixos no bufão.

— Como eu disse, agende uma audiência comigo. Temos muito a discutir, meldo eldaron. — disse o bufão, suas palavras impregnadas de ironia. — E diga a Syndra Hanali que Ilefai Falenfar manda seus cumprimentos.

Mauregato apenas acena com a cabeça, sem perder mais tempo, ele aperta o passo até a saída do Palácio. Ali ele rapidamente encontra uma carruagem.

O caminho de volta pareceu interminável. A crescente ansiedade com a lentidão do condutor deixou Mauregato à beira do desespero. Em várias ocasiões, ele gritou para que o homem acelerasse. Quando se aproximou da Praça dos Templos, percebeu a multidão que tomava o entorno da Catedral Imarcescível, aumentando ainda mais seu desconforto. Sem perder tempo, jogou um punhado de moedas para o condutor e saltou da carruagem em movimento.

Ele avançou pela multidão com cotoveladas firmes, empurrando pessoas sem se importar, até derrubar uma senhora, o que gerou murmúrios de indignação entre os fiéis. No entanto, ao reconhecerem o Condottiere, as pessoas rapidamente abriram caminho.

Dentro da Catedral, uma fila ordenada aguardava para cumprimentar a recém-eleita Suma Sacerdotisa, mas Mauregato não tinha tempo para formalidades. Ele abriu caminho à força, até alcançar Miri. Com um gesto brusco, colocou a mão sobre o ombro dela, guiando-a para longe da multidão, ignorando os protestos.

— Miri, preciso de você. Agora. — disse, a urgência em sua voz transparecendo.

— O que aconteceu? — ela perguntou, preocupada. — Aconteceu algo com Gundemaro?

— Como você sabe que é sobre ele? Teve alguma visão? — Mauregato estreitou os olhos, desconfiado.

— Eu estava pensando nele quando você apareceu.

Ele parou por um momento, refletindo sobre a coincidência, e então continuou: — Preciso saber onde ele está. Diga a ele para se manter seguro até eu encontrá-lo.

Miri, com um olhar sério, levou Mauregato a um pequeno depósito nos fundos da Catedral. Entre antigos objetos de decoração e artefatos ritualísticos, ela iniciou uma breve invocação, chamando pelo nome de Gundemaro. Quando terminou, abriu os olhos, mas sua expressão estava carregada de preocupação.

— Não consegui... Não fiz contato com ele. — A voz dela tremia de preocupação.

Mauregato passou as mãos pelo rosto, tentando manter a calma. Fez um gesto de reverência a Nox, sinalizando sua submissão à vontade divina, mas sua mente trabalhava a mil.

— E Elaine? Ela estava com Gundemaro. — sua voz agora era mais firme, mas carregada de tensão.

Sem hesitar, Miri repetiu o encantamento, desta vez chamando por Elaine. Quando concluiu, uma sensação de alívio percorreu seu rosto.

— Ela está aqui, na Catedral! Está nos procurando e disse que não sabe onde está o pai.

— Miri, cuide dela. Eu tenho que ir. — disse Mauregato, já se afastando apressadamente em direção a uma saída lateral.

Miri tentou chamá-lo de volta, mas ele já havia desaparecido no meio dos fiéis. Ele caminhou rapidamente, evitando o tumulto da praça e entrando nas vielas estreitas e antigas da cidade, onde podia se mover com mais agilidade, livre dos olhares atentos da multidão.

Entrando em um beco estreito e sombrio, Mauregato bateu na porta com um ritmo específico. Em poucos tempo, a porta se abriu para ele, e ele se preparava para seguir, mas a voz de Miri o fez parar.

— Mauregato, espere! — chamou ela, apressada.

— Miri... — ele suspirou, sem se virar. — Preciso resolver isso sozinho.

— Seja lá o que você planeja, eu estarei ao seu lado — respondeu ela, determinada.

Sem mais, Mauregato desceu as escadas de pedra que levavam aos túneis subterrâneos. O local era novo, inacabado, com vigas de madeira ainda no lugar e ferramentas largadas pela pressa dos trabalhadores. O cheiro de umidade e poeira preenchia o ar.

— Como eu imaginava, uma catedral da deusa dos segredos começaria sua construção pelo subterrâneo — comentou Miri, com um toque de sarcasmo. — Criando passagens para aqueles que preferem não serem vistos.

— Você não deveria estar aqui — retrucou Mauregato, sem parar de caminhar.

— E nem você — respondeu ela, a voz calma, mas firme. — A vingança não trará seu irmão de volta.

Mauregato parou, os punhos cerrados. Virou-se, os olhos ardendo de fúria.

— As pessoas com quem estou lidando só respeitam aqueles que temem. — Ele deu um passo em direção a Miri. — Eu preciso que eles me temam. Pelo seu bem, pelo bem de nosso filho.

Miri não respondeu, apenas olhou para ele, seu rosto suave refletindo o peso de sua dor, mas também uma aceitação silenciosa.

Eles seguiram por túneis escuros e parcialmente construídos até chegarem a uma antessala. Ali, três jovens sacerdotisas vestidas de púrpura os receberam, a confusão evidente em seus rostos quando reconheceram Mauregato e Miri.

Uma das sacerdotisas correu para se ajoelhar perante Mauregato.

— Umbra Nostra, Escolhido de Nox! Como podemos servi-lo?

As outras duas permaneceram à distância, olhando Miri com olhares mistos de temor e ressentimento. Elas pareciam não saber como reagir à presença da Sacerdotisa de Alos, como se a quisessem impedir de avançar, mas estivessem também paralisadas de medo.

— Venham, todas vocês. — Mauregato ordenou, a voz carregada de impaciência. — Onde está a Viúva?

— A Poente Sacerdotisa está em retiro há dias, senhor, mas não sabemos quando ela retornará.

Mauregato deu um passo à frente, pronto para entrar no templo subterrâneo. Uma das sacerdotisas, desesperada, ajoelhou-se diante dele, esticando os braços em uma tentativa frágil de bloqueá-lo.

— Temos ordens... ordens para não permitir que ninguém entre.

— Não tenho tempo para isso! — Mauregato explodiu, a raiva em sua voz ecoando pelos túneis.

As jovens recuaram instintivamente, como se a fúria dele as tivesse empurrado fisicamente. Em seus rostos, o medo era claro enquanto ele seguia em frente, com Miri logo atrás, sem hesitar.

Mauregato e Miri chegam à porta e, após baterem e não receberem resposta, entram nos aposentos da Viúva. O quarto estava impecável, sem sinal de desordem ou da presença dela. Mais adiante, uma porta entreaberta deixava escapar uma luz tênue, revelando um lance de escadas que levava a um nível ainda mais profundo do templo e lá, no andar inferior eles veem a Poente Sacerdotisa de Nox.

— Acredito que exista uma boa explicação para esta invasão. Porém, não quero ouvi-la. Apenas saiam e me deixem em paz. — Ela disse com a voz baixa e rouca, frágil.

— Mauregato, você a ouviu. Vamos. — Miri disse em tom respeitoso, mas já puxando o guerreiro pelo braço.

— Viúva, me desculpe. Porém vim aqui para apenas para avisar que vou matar Teodor.

Ela sobe as escadas lentamente e chega no último degrau quase de frente para os intrusos em seus aposentos. — Não Mauregato. Você não fará isso, pois essa não é a vontade de Nox! — Ela tentou falar com autoridade, mas sua força a abandonou, e ela caiu.

Mauregato a segurou antes que ela desabasse completamente, ajoelhando-se ao seu lado. Miri, em prontidão, começou a examiná-la. Ao afastar os cabelos ruivos da Viúva, percebeu pequenas perfurações no pescoço, de onde escorriam filetes de sangue.

A Viúva empurrou Miri com raiva.

— Saia daqui! Sua presença me ofende!

Miri notou algo peculiar. Na base da escada de onde a Viúva viera, os contornos de um círculo ritualístico surgiam no chão.

— Isso é um círculo de... — Miri começou, mas foi interrompida pela voz fraca, mas firme da Viúva.

— Mauregato, tire-a daqui, agora! — ordenou ela.

Mauregato hesitou, confuso com o que estava acontecendo. A Viúva, ainda caída em seus braços, o olhou fixamente, como se tentando alcançar algo além das palavras.

— Por que vocês realmente estão aqui? Não pode ser apenas para pedir permissão para matar Teodor. — Sua voz estava carregada de algo mais, uma insinuação. Ela levantou a mão, com delicadeza, tocando o rosto de Mauregato. — Ou você veio atrás do que abandonou?

Sem esperar resposta, ela se inclinou e o beijou.

Surpreso, Mauregato se afastou bruscamente, o rosto marcado pela incredulidade.

— O que você está fazendo? — questionou ele.

Miri, observando a cena com calma, afirmou: — Ela está tentando me afastar daqui.

A Viúva riu, um som agridoce e malicioso.

— Não, querida... Se quiser, pode ficar. Ou até mesmo participar. Sempre me perguntei o que ele viu em você que não viu em mim.

Mauregato, visivelmente irritado, rebateu: — Do que está falando? Você desapareceu. Você me abandonou muito antes disso.

A Viúva lançou-lhe um olhar ardente, cheio de memórias.

— Ah, será? Lembra da última noite que passamos juntos? Lembro muito bem... Tão bem que ainda hoje reconheço o perfume dela que estava impregnado em você.

Miri, constrangida, desviou o olhar.

— Então foi por isso? — Mauregato exclamou, exasperado. — Você me deixou por um erro meu? Nunca mencionou nada! Eu e Miri... não havia nada entre nós naquela época. Eu nem sei como aquilo aconteceu!

— Me diga, Mauregato... Onde foi que vocês...?

Ele balançou a cabeça, irritado. — Isso não importa!

A Viúva insistiu, com um sorriso ácido. — Ah, isso importa, sim. Diga!

— No altar da Catedral Imarcescível... — Miri confessou, de costas para eles.

A Viúva sorriu triunfante. — Eu sabia!

Mauregato, tentando restaurar o controle da conversa, implorou: — Viúva, pare com isso. Por que está trazendo isso à tona agora?

— Como você mesmo disse — replicou a Viúva, cheia de veneno na voz — vocês não tinham nada... E, no momento seguinte, lá estavam, no altar! Isso foi obra daquele deus hipócrita dela!

— Alos não manipula seus fiéis como sua deusa faz! — gritou Miri, a paciência finalmente esgotada. — E graças àquele dia, eu e Mauregato tivemos um belo filho!

A Viúva não se intimidou. — E eu posso dizer o mesmo sobre a noite que seguiu, quando Mauregato chegou ao nosso quarto fedendo ao teu perfume. Ele... ou o que quer que o tenha possuído naquele dia, encheu meu ventre!

O silêncio caiu entre eles, pesado.

— E agora, o que você acha disso, Miri? — provocou a Viúva.

Miri, atônita, mal conseguia responder: — Isso... Isso não pode ser verdade!

A Viúva, com lágrimas nos olhos, concluiu: — Ah, mas é. E agora, Mauregato, nosso filho está seguro, mas eu tive que fugir das minhas próprias irmãs para garantir isso.

Mauregato desabou no chão ao lado da Viúva, exausto, a dor visível em seu semblante. — Nós temos um filho... Onde ele está, Viúva? Por que Noria queria matá-lo?

— Ele está seguro. É tudo o que você precisa saber.

Miri, percebendo que a conversa entre eles precisaria continuar sem ela, se afastou em direção à saída.

— Eu vou procurar Elaine. — disse Miri, saindo do aposento enquanto a Viúva se acomodava com dificuldade na cama.

O silêncio entre Mauregato e a Viúva reinou por um longo tempo, carregado com o peso do passado. — E sua outra filha? Ela está segura?

— Kiara? Minha bebê é o oposto. Ela é um presente de Nox, uma retribuição por minha fé em Nossa Umbra. Ela já é quase que adorada por todas as sacerdotisas.

— Pelo menos um alento. — Ele admira a jovem ruiva por um tempo, ansiedade transparecendo em seu rosto.

— Você não está aqui para falar sobre minhas crianças. O que eu disse sobre Teodor, no entanto, é verdade. Não nutro amor por ele, não tanto quanto tive por você. — A Viúva alcançou Mauregato com uma delicada mão, traçando um caminho suave até ele. — Mas ele é uma peça essencial para nós, e deverá viver até que sua serventia à Escuridão expire.

— Não é disso que quero falar... — Mauregato hesitou, a voz embargando levemente. — Assim como você vem a mim para confessar seus segredos, eu também preciso me abrir com você desta vez.

Ela sorriu, um sorriso que misturava ternura e curiosidade. — Deve ser algo importante, então. Você nunca veio a mim para isso antes.

— Eu não sei se é importante ou se estou apenas dando meu próximo passo rumo à loucura... — Ele hesitou, passando a mão pelos cabelos. — Algumas visões e sonhos têm se manifestado para mim. Estou revivendo o que parecem ser memórias daquele último ano dos Selos.

O carinho que antes preenchia suas feições agora dava lugar a uma raiva contida, que parecia fervilhar em seus olhos. — Não, Mauregato! Esse momento foi esquecido, ele não nos pertence mais. Para o nosso próprio bem, Nox nos poupou dessas lembranças.

— Eu sei... eu acreditava nisso. Mas então, por que estou sendo puxado de volta a essas memórias? — Mauregato perguntou, sua voz carregada de angústia.

A Viúva fechou os olhos por um instante. Seus lábios se moveram, mas nenhuma palavra saiu. Sua mão, antes carinhosa, se fechou como uma garra no rosto de Mauregato. — Alos! Ele está por trás disso... utilizando suas artimanhas para te manipular.

— Alos? O que motivaria Alos a me manipular? Eu não tenho mais nenhuma ligação com tudo isso.

— Nunca baixe a guarda, Mauregato. A luz... — A Viúva pronunciou cada palavra como um veneno. — A luz é uma ferramenta para impor uma verdade distorcida. Ela só mostra o que quem a controla deseja. O único propósito dela é destruir a escuridão. E sem nosso refúgio sombrio, estamos todos condenados.

— Então não o que nos preocuparmos?

— Pelo contrário, querido. Há algo terrível acontecendo que até mesmo Nox teme. Porém, Nossa Dama acredita que não cabaré a nós essa missão. Ela nos reserva para outro propósito...