O Assassino

by Henrique Albert
Elisburg, 1305   O vento da noite assobiava pelas frestas das janelas da estalagem, acompanhando o ritmo do último patrono da taverna que subia cambaleando as escadas. Ao chegar ao corredor, ele parou e começou a vasculhar seus bolsos, enquanto seus olhos examinavam cuidadosamente o ambiente ao redor. Nesse instante, como se seu corpo perdesse a forma, ele se misturou com a escuridão do corredor.   Em poucos segundos, ele atravessou o corredor e, em um único movimento, destrancou a porta com um pedaço de metal enquanto sua outra mão já segurava uma adaga.   Ao entrar, no entanto, foi ele quem se viu surpreso. A atraente ruiva não estava sozinha. Um menino, um pouco maior que um bebê, estava em seu colo, seus grandes olhos curiosos fitando o invasor.   A jovem, vestida em um suntuoso robe púrpura, ergueu os olhos com seu habitual semblante calmo e misterioso.  Mortimer — ela disse, a voz baixa e controlada. — Quanto tempo já se passou...   Ele permaneceu em silêncio por um momento, observando a criança antes de voltar seu olhar para ela.   — Está me perseguindo também? Ou veio fazer justiça pelo que fiz? Você, mais do que ninguém, deveria entender a quem estou servindo. Assim como você, sou apenas uma ferramenta de Nossa Senhora, Viúva.   Ela suspirou, acariciando os cabelos do menino.   — Não entendo seus objetivos, Mortimer. Mas não irei interferir. Se está aqui para me fazer de alvo de sua missão divina, então você está sendo manipulado por outro, e não por Nox. Os planos dela para mim ainda não terminaram.   — E se eu disser que você é o próximo alvo? — ele disse friamente, a voz carregada de ameaça.   Para sua surpresa, a Viúva riu. Uma risada baixa, quase imperceptível, mas carregada de convicção.   — Você pode tentar, Mortimer. Mas sei que não é isso que Nox quer. Você pode ler meus movimentos, mas eu leio você além de suas palavras.   Ele ficou em silêncio, a tensão entre eles palpável. Depois de alguns segundos, a Viúva mudou de assunto, pedindo ajuda com um tom mais sério.   — Preciso que assegure a vida de meu filho. Tenho uma missão e preciso saber que ele estará seguro.   Mortimer ergueu uma sobrancelha, surpreso com o pedido.   — Não é melhor deixar ele com o pai? — o tom irônico não escapou da Viúva.   — Por Umbra, Alcaraz! Ao menos uma vez não me torture desnecessariamente.   — Ah, Cleonise, sabe que gosto de você, é praticamente uma irmã para mim após tudo que passamos, certo? Affonso Alcaraz — ele respondeu. — Meu irmão pode cuidar dele aqui em Elisburg.   — Muito bem. Deixarei o menino com Affonso — ela respirou fundo e olhou para a criança com pesar, sua mente distante por um tempo. — Agora, sobre sua missão... eu ainda não acredito que foi capaz de matar o...   — Matei! — Ele a interrompeu em um rompante. — E voltarei a matar todos que a Minha Dama mandar!   O olhar complacente da Viúva para ele o deixou ainda mais instável.
by Henrique Albert
— Saiba que eu sempre estarei à sua espera quando quiser conversar. O peso que Nox coloca sobre nossos ombros é sobre-humano e, por mais que na sabedoria infinita dela faça o que tem que ser feito, ainda precisamos de apoio uns dos outros.   Ele virou-se de costas para ela, apoiando-se contra a parede em silêncio enquanto ela levantava carregando a criança.   — Hoje você me ajudou, Alcaraz, e amanhã espero que venha cobrar por isso, pois eu estarei esperando.   Ela saiu do quarto carregando a criança, e Mortimer se jogou sobre a cama, permanecendo inerte por horas, olhando para o teto e refletindo sobre as palavras da Viúva e suas ações, passadas e futuras.   Ele ouviu um som quase imperceptível na janela e rapidamente rolou sobre a cama, colocando as cobertas sobre si.   A janela abriu cuidadosamente, sem fazer nenhum outro som, e alguém passou por ela. A luz fraca do exterior permitiu que ele visse apenas detalhes da silhueta da invasora. Com uma adaga na mão, ela se aproximou da cama, suave como um gato abordando sua presa. Ela posicionou a adaga no pescoço dele.  Alin , posso te reconhecer pelo seu perfume — ele disse sem abrir os olhos.   — E eu pelo seu ronco! — ela gritou, batendo nele com sua outra mão insistentemente. — Seu louco! Todos querem sua cabeça!   — E você veio atrás de mim para me avisar disso ou ainda está em dúvida se pega a recompensa? — ele perguntou, a voz carregada de ironia.   — Eu primeiro pensei em te procurar para saber se estava bem e o que estava acontecendo, mas quando descobri que você havia se casado e virado um pai de família, quase mudei de ideia... — ela disse, o olhar triste enquanto passava a ponta de sua adaga suavemente pelo braço de Mortimer.   — Sinto um ar de arrependimento por ter me largado lá atrás — ele segurou suavemente o queixo dela com as pontas dos dedos e guiou o rosto dela para que seus olhos se encontrassem com os dele. — É isso, Alin?   Ela esboçou um longo sorriso malévolo.  Edelin Moisson que faça bom proveito de você. Já usei o que me apetecia, ela pode ficar com o resto — ela olhou com desdém e começou a se levantar.   Mortimer a puxou de volta para a cama, mas ela o retribuiu com um sonoro tapa no rosto e o agarrou, suas unhas afiadas se encravando no braço dele. Eles se beijaram violentamente.   Ela o empurrou, recuperando o fôlego.   — Calma, eu não vim aqui para isso, Alcaraz.   — Eu não tenho nenhum outro compromisso, então por que não? — ele perguntou, como se fosse uma proposição.   — Você vai morrer! — ela disse quase gritando, finalmente dizendo o que estava preso em seu peito. — A Penumbra convocou o Mestre da Adaga... Guiberti Taratallia!   Pela primeira vez, Alin percebeu a expressão de Mortimer demonstrar preocupação. Ambos ficaram em silêncio, levantando-se da cama. Na escuridão do quarto, eles mal conseguiam perceber um ao outro, mas o peso do silêncio dizia mais do que eles conseguiriam expressar por palavras.   No canto do quarto, um estalo seguido de uma pequena chama acendeu um charuto. A luz fraca foi suficiente para que o casal percebesse um homem sentado na poltrona.   — Gui! — Alin disse com espanto, revelando todo o horror que a escuridão ocultava.   Lentamente, Guiberti começou a bater palmas. A cadência vagarosa de seus aplausos era torturante.   — Adorei! Achei lindo demais o casal — a voz exaltada de Guiberti era tingida de sarcasmo, mas para quem o conhecia, sabia que era impossível ler suas intenções reais.


Cover image: by Henrique Albert