O Presságio

Rizzard, 1312    Isael! Onde você está? — A jovem Lúcia subiu correndo as escadas, o som de seus passos ecoando pelas paredes de pedra.  Lúcia? Estou aqui — a voz do garoto, quase imperceptível, parecia vir do outro lado da porta de carvalho maciço.   Lúcia abriu a porta e foi recebida pela luz do sol nascente. A sala exalava um ar de mistério, repleta de velhos manuscritos e estandartes empoeirados. Ao chegar à porta do outro lado da sala, para seu desespero, viu Isael, um pouco além de um menino, sentado no parapeito da torre da catedral.   — Pelos Deuses... — ela tentou exclamar, mas sua voz ficou reduzida a um sussurro, quase se engasgando. — Isael... — ela falou calmamente enquanto se aproximava do parapeito, esticando ao máximo seus braços para alcançar o garoto, seus passos excessivamente cuidadosos, como se estivesse caminhando sobre o fino parapeito onde Isael estava sentado, suas pernas balançando suavemente sobre a praça do templo.   — Não tenha medo, Lúcia. Ele está me apoiando.   — Ele? — ainda sem conseguir recuperar sua voz, ela sussurrou enquanto se aproximava. Suas mãos ávidas finalmente alcançaram e seguraram o rapaz.   — Sim. Alos.   O pavor de Lúcia foi substituído por confusão. — Alos, o Deus Sol, mandou você se pendurar aqui?!   — Sim... quero dizer, eu sonhei que nós dois estaríamos aqui.   Lúcia ficou em silêncio, seus braços agora envoltos firmemente na cintura de Isael. Ela respirou fundo, aliviada por ter chegado antes que algum acidente ocorresse. Agora, aliviada, seus olhos vasculharam o horizonte. O sol estava nascendo à frente deles. O céu adornado com poucas nuvens refletia uma miríade de luzes e cores.   — Pelos Deuses, que belo, Isael!   — É apenas um conforto, uma esperança pelo que está por vir. Hoje será um dia triste, mas Alos nos mostra todos os dias que a noite sempre precede o dia.   — Por Nox, Isael! Nós estamos morando aqui há apenas dois meses e você já está falando como um clérigo ancião de Alos... Eu disse para Affonso que seria uma má ideia te colocar aqui — Lúcia, ainda admirando o horizonte, se perdeu em seus pensamentos por um instante e respirou fundo. — Todas aquelas visitas do meu irmão Ramon... quero dizer, tio Mortimer, onde você sempre fazia pirraça quando ele contava as histórias sobre os deuses, sobre Nossa Dama da Escuridão, e agora você aí, profetizando sobre os Deuses.   — Não é sobre os deuses, é sobre Alos!   — A mesma coisa, Isael!   Isael virou-se pela primeira vez para olhar na direção de Lúcia, mas antes que pudesse responder, ele viu uma outra mulher passando pela porta da sacada. Suas vestes brancas, adornadas de ouro, refletiam em perfeita harmonia as luzes do sol nascente.   Lúcia também se virou para ver o que o rapaz estava olhando. — Miri! Ah, quero dizer, Suma Sacerdotisa! — Ela tentou fazer uma reverência, mas como estava agarrada a Isael, seu cumprimento saiu desajeitado.   — Será agora — Isael disse com um tom sério, enquanto descia do parapeito. O jovem se ajoelhou à frente da sacerdotisa.   Lúcia observou a cena, ainda mais perplexa. Os movimentos de Isael eram idênticos aos que ela via os sacerdotes fazerem na presença de Miri.   Isael levantou-se, retornou ao lado de Lúcia e a abraçou. — Por mais longa e fria que esta noite possa ser, amanhã o sol sempre nascerá — a voz do garoto agora trêmula, transparecia um sofrimento, soava como um presságio de perda.   — O que houve, Isael? — Perguntou Lúcia.   Miri se aproximou e abraçou ambos. Ela pegou a mão de Lúcia, que olhava confusa para a sacerdotisa.   — Lúcia, Mauregato acaba de chegar de Elisburg — Ela olhou com serenidade nos olhos ansiosos de Lúcia. — Seu irmão Affonso faleceu.   A notícia drenou por completo as forças de Lúcia e ela caiu no chão, mesmo com Isael e Miri tentando segurá-la.   Miri se ajoelhou e apoiou a jovem em seu colo. Lúcia ficou atordoada, suas palavras fazendo pouco sentido enquanto tentava negar a notícia.   Mauregato chegou à porta da sacada e Lúcia, ao percebê-lo, levantou-se e correu até ele, segurando-o pelo peitoral de sua armadura. — Diga que é mentira! Meu irmão não pode estar morto! — Ela tentou sacudi-lo, mas sendo muito mais leve que o guerreiro, foi apenas ela mesma que balançou.   — Eu lamento — respondeu Mauregato, sua voz seca demonstrando sua inaptidão em lidar com a situação.   — Eu não acredito! Isso é uma punição de Nox por termos vindo para cá! — Lúcia disse olhando para Miri com ódio, seu rosto encharcado de lágrimas.   Lúcia passou por Mauregato e começou a descer as escadas da torre correndo.   — Vá atrás dela, eu irei na sequência.   Mauregato acenou com a cabeça e seguiu atrás dos sons dos passos.   Miri respirou fundo e olhou para o menino, que se levantava. Ele novamente subiu no parapeito e olhou na direção do sol nascente.   — Você já sabia, Isael?   — Alos me contou, nos meus sonhos.   Miri levantou-se e olhou para o rapaz de costas para ela.   — Affonso era como um pai para você.   — Sim. Talvez até mais do que isso. Um pai, por mais que ame seu filho, sempre será movido por um senso de obrigação. Affonso me acolheu, me educou e cuidou de mim e em nenhum momento ele demonstrou que fazia isso por um favor. Pelo contrário...   Miri admirava o jovem em silêncio.   — Eu estava aguardando um momento apropriado para falar sobre isso, mas a princípio quando te conheci, Isael, achei que ainda era muito jovem...   — Para me contar sobre meus pais?   — Sim.   — Ali, onde estão construindo a outra catedral, um dia... no final de um dia, estará minha irmã, olhando na direção oposta, admirando o sol se pôr.   Miri beijou a nuca do rapaz e saiu pela porta.


Cover image: by Henrique Albert