Uma visita do passado

As seen in
by Henrique Albert
A Poente Sacerdotisa do Rito de Rizzard conduzindo a Cerimônia do Crepúsculo     Rizzard, 1320   -Por favor senhora! Eu eu fiz tudo que sugeriram... o que mais, o que mais devo eu fazer? Minha adoração por Nossa Dama é maior que... que meu amor por minha própria vida! - Diz a senhora se jogando dramaticamente de joelhos aos pés da exuberante sacerdotisa. Suas mãos levantadas em súplica.   Relutantemente a Poente Sacerdotisa para sua caminhada. Elegantemente ela vira-se para olhar a senhora ajoelhada atrás dela e sinaliza para as duas mulheres encapuzadas que a seguiam para não interferirem. Além destas duas mulheres em vestes pretas, três jovens sacerdotisas recém iniciadas a acompanhavam mais atrás, e agora, todas pararam envolta da suplicante. Com uma expressão serena, a sacerdotisa analisa a mulher, observa suas roupas simples, mas apropriadas e devidamente harmonizadas com seus cabelos e ornamentos.   -Vejo o resultado da influência de minhas adeptas em você, Ortensia.   A mulher levanta seu rosto lentamente, enquanto percorre com admiração cada trecho do magnífico Manto do Crepúsculo que adorna a silhueta atraente da sacerdotisa. Seus cabelos vermelhos, longos e ondulados emolduram e destacam a pele alva de seu rosto como a porcelana das mais belas e caras bonecas Bollani expostas na Travessa Alvorada. Por um instante, a mulher desnorteada encara os olhos azuis hipnotizantes da Enviada do Sol Poente. Ao perceber sua indiscrição, ela rapidamente desvia olhar para o chão.   -Obrigada Magnífica! Eu eu... eu estou sem palavras... Isso significa que agora eu terei uma chance?!   A Suma Sacerdotisa suspira, mas mantém seu semblante sereno enquanto utiliza um tom de voz complacente – Nox é a mãe de todas as mulheres – com um gesto suave, as pontas de seus dedos encostam sob o queixo da mulher e o elevam até que seu rosto encare novamente seus olhos – mas, por meio de seus mistérios, ela define o que será de cada uma...   Uma das encapuzadas, inadvertidamente se movimenta para a lateral da Poente esbarrando suavemente nela e a interrompendo por um instante.   A sacerdotisa desvia o olhar para a mulher que a atrapalhou para demonstrar sua reprovação, mas no mesmo instante retorna sua atenção a mulher ajoelhada – Umas serão escolhidas como suas vassalas e carregarão seus desígnios reinando sobre homens... e outras serão suas enviadas para guiar essas vassalas para sua salvação – Ela termina sua frase analisando o rosto pouco atraente e castigado por uma vida árdua de sua fiel. Seu semblante agora transparecendo desdém – Esta é a última vez que teremos esta conversa, você consegue me entender?   Relutantemente, Ortensia desvia o olhar e balança a cabeça em concordância.   -Ortensia, eu quero ouvir as palavras de sua boca – seus dedos agora firmemente segurando o queixo da mulher, ela guia novamente o rosto dela até que seus olhos voltem a encará-la.   -Sim... quero dizer, não! Não irei mais importuná-la com isso minha senhora... me perdoe, por favor! Você é o que há de mais importante para mim, apenas abaixo Nossa Grande Mãe!   -Muito bem, então vá e dê-me motivos para sentir orgulho, Ortensia. Siga os desígnios de Nox e mostre para o mundo o que uma fiel vassala de Nossa Senhora é capaz.   A Poente sinaliza para as jovens iniciadas ajudarem a mulher a se levantar e elas começam a guiá-la para fora do corredor.   Após elas saírem de sua visão, ela vira para a mulher que a atrapalhou – o que foi isso?! Esperava mais de vocês do que duas desajeitadas.   -Desculpe-me Magnífica por meu desequilíbrio - a mulher de preto responde em voz um pouco mais alta que o necessário e, em seguida, aproxima-se dela e sussurra – temos um visitante escondi...   -Atrás da tapeçaria do corredor – a sacerdotisa interrompe a mulher – isso apenas aumenta minha decepção com as guardas que Teodor Zago escolheu para mim – ela continua com tom de desapontamento – eu percebi que havia alguém ali enquanto entrava no corredor.   Neste momento uma mulher com um capuz cinza azulado sai calmamente de traz da tapeçaria – Vejo que os rumores não chegam perto do que realmente é a pessoa! – sua voz exalta admiração, mas ao mesmo tempo sua fala é suave e macia – durante anos eu quis conhecê-la, mas a vida é repleta de contratempos, não é?   -Inúmeras mulheres me procuram todos os dias. Se o que busca é falar comigo, espere o seu tempo, pois o meu é limitado demais para se encaixar à agenda dos outros – sem aguardar uma resposta, ela começa a caminhar em direção a seus aposentos.   -Então tudo bem. Talvez amanhã uma de suas adeptas deixe meu recado com você antes de eu sair da cidade, mas para te ajudar a identificar ele entre tantos outros, eu assinarei Lanna'ir Rolen nele.   Paralisada ao ouvir o nome, a Poente fica em silêncio. De costas para Lanna’ir, ela precisou deste tempo para ocultar a expressão de espanto de sua face – meninas, peço que me deixem a sós com minha visitante.   Ambas as acompanhantes, que até então usavam suas posturas mais intimidadoras para impedir a aproximação da sorrateira visitante, olham para a sacerdotisa sem ação, completamente surpresas. Porém elas sabem que não devem questionar a esposa de Teodor, para o próprio bem delas, e começam a sair de lá, mas sem cerimônia espreitam a mulher estranha até finalmente se retirarem do corredor.   Agora recomposta e novamente ostentando seu habitual semblante de serenidade, a sacerdotisa começa a retornar na direção da visitante e, enquanto se aproxima, a vê retirar o capuz. Suas orelhas pontudas são pequenas demais para serem confundidas com a de uma elfa e seu belo rosto é ligeiramente mais angular do que o da maioria das mulheres humanas, porém ela percebe a semelhança com seu próprio rosto, mas o que a faz parar no meio do caminho são os olhos, pois eles são idênticos aos seus próprios, como se estivesse olhando para um espelho.   Lanna’ir não esconde o sorriso – Se não fossem minhas belas orelhas pontudas e esse seu invejável cabelo ruivo, não teria um que não diria que somos irmãs gêmeas.   -Mas nenhum diria que é minha avó.


Cover image: by Henrique Albert