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Ato - 2 - A encenação

  • 10/06/842 – 14:10
  • Rima Neru se espantou quando não viu a Loja de itens mágicos do Lester no lugar onde ela deveria estar. Tinha ido trocar o anel mágico que comprou, já que o item simplesmente não cumpriu sua função. A mulher estava de mudança e não queria perder tempo com besteiras, mas se tinha uma coisa que ela odiava era que alguém lhe passasse a perna, apesar de isso ocorrer pouquíssimas vezes. Foi então que uma voz interrompeu seus pensamentos.
  • — Também foi otária? — Disse uma pequena garota de cabelos e olhos azuis-claros. Ela olhou para Rima e seguida para o vácuo entre as lojas que antes era preenchido pela loja de fachada de Lester.
  • — Sim. — Respondeu Rima enquanto ajeitava o pequeno chapéu sobre os ondulados cabelos ruivos e olhava envolta procurando por alguma pista.
  • A mulher encontrou apenas marcas de rodas na terra, como se algo tivesse pressionado o chão do local, e xingou mentalmente ao deduzir que provavelmente a loja virara uma carrocinha. Pensou por um momento se algum conhecido poderia ajuda-la, mas naquela parte da cidade não tinha afinidade com muitas pessoas. — O que foi que você comprou? — Perguntou Rima à garota.
  • — Eu comprei uma coleirinha pro meu rato pra ver se ele conseguia falar — Ela respondeu sem pestanejar. Enquanto um pequeno roedor subiu pelo seu ombro. — O nome dele é Edison Jr. — Ela havia nomeado o animal em homenagem ao homem que a acolheu e ensinou-a a sobreviver nas ruas anos atrás. A garota devia sua vida à Edison e o considerava como um irmão.
  • —Legal? … — Neru não sabia como se sentir sobre isso, a garota parecia ingênua e simplória, seria fácil se aproveitar dela, mas a ruiva não fazia isso com qualquer um. Só roubava ou importunava aqueles que ela considerava como “ricos babacas”.
  • A garotinha ajeitou a faixa vermelha que prendia a curta franja e foi até a loja ao lado em busca de informações. No lugar estavam dispostas à venda todos os tipos de armas e com uma certa frequência alguém perguntava o valor de uma delas ao vendedor , um humano bem-vestido que estava sentado esperando por um comprador. Ela foi até ele e perguntou:
  • — Boa tarde, eu me chamo Bela. O senhor sabe de alguma coisa sobre a loja que ficava aqui do lado?
  • — Há! Você também foi enganada pelo Lester, mocinha? Ele faz isso com várias pessoas, aparece por um dia, às vezes mais, e vende os itens fajutos dele. Depois, desaparece até que se esqueçam dele, mas pode ser que vocês ainda encontrem ele por aí, se ele não tiver vendido tudo.
  • —Ele volta sempre pra esse mesmo local? — Perguntou Bela inocentemente.
  • — Claro que não! Ele sempre escolhe um lugar diferente. — Em seguida o homem foi atender um dos clientes.
  • —Me sinto menos otária por não ter sido a única. — Disse Bela para Rima, que a esperava enquanto olhava para o céu nublado, ainda sem acreditar que tinha caído em um truque tão barato. Afinal de contas, era ela quem fazia isso com os outros. Quando sua família ainda pertencia à nobreza, ela passava os dias apostando em jogos de cartas contra nobres e ganhando títulos e riquezas.
  • — É, eu vou atrás dele. Você vai querer ir também? — Perguntou Rima. A garota confirmou com a cabeça. — Então vamos. Conseguiu alguma informação? — Bela explicou a ela o que o homem da loja ao lado havia lhe dito e ambas saíram para procurar no mercado por Lester.
  • Depois de algum tempo tentando encontrar o homem, às duas ouviram alguém reclamando sobre a compra de um item fajuto. Ao se aproximarem se depararam com um homem lá pelos 40 anos com um chapéu de palha e umas roupas bem surradas de plebeu, algo de baixo nível para a cidade, que coçando a careca reclamava ao vento:
  • —Sabia que num devia ter acreditado naquele vigarista! Comprei sá qui e num tá funcionando!
  • Bela estagnou, seu coração acelerou e gotas de suor começaram a escorrer por sua pele branca. Ela tinha certeza de que aquele era um dos homens que haviam matado seu pai, anos atrás. A garota tirou um anel prateado de um dos dedos, colocou o perto do rato que estava em seu ombro e antes que o animal pudesse pegá-lo com as pequenas mãos ela começou a se transformar.
  • Suas unhas viraram garras, de sua pele brotaram escamas prateadas e seus ossos estalaram conforme ela crescia até quase dois metros de altura, seu rosto e corpo passaram a se assemelhar a um dragão. A garota havia se tornado um draconato.
  • A draconata avançou para cima do homem e o segurou pelo pescoço, levantando e estrangulando-o. A multidão olhou curiosa e receosa. Neru queria ajudar, mas não sabia como, ainda estava em choque com o fato de uma garotinha de pouco mais de 1,5 m ter se transformado em um draconato.
  • —Você foi uma das pessoas que matou meu pai? — Gritou Bela para o homem com a voz muito mais rouca que a de antes. Para sua infelicidade, o velho desmaiou e antes que ela pudesse reagir pessoas na multidão começaram a preparar todos os tipos de arma, cajados, varinhas, arcos e flechas, prontos para atingir a draconata. — Alguém conhece esse homem? — Gritou ela confusa para a multidão, mas ninguém respondeu. Ela não se lembrava de todos os detalhes do dia em que seu pai morreu, mas aquele homem… deveria ter alguma relação com eles. Ela se lembrava de um homem como ele rindo enquanto… eles…
  • Em meio ao silêncio e ao clima de tensão Rima Neru começou a aplaudir a cena:
  • — Bravo! Caraca! A temporada de teatro a céu aberto já começou na cidade. Vocês sabiam disso? — A mulher estava fazendo seu melhor para convencer a multidão e por se tratarem de visitantes em sua maioria, parecia ter funcionado.
  • No começo alguns ficaram meio receosos, mas logo em seguida compraram a ideia, alguns chegaram a comentar que já sabiam sobre o que estava acontecendo e enfim a multidão se dispersou e o comércio voltou a funcionar normalmente.
  • — Qual é o seu problema? — Sussurrou Rima para Bela com raiva.
  • — Ele matou meu pai! — Disse ela ainda com os olhos vidrados no homem com a mão envolta de seu pescoço. — Eu acho…
  • — Seu pai é igual a você? — Ela olhou para o velho babando inerte — Como é que esse velho matou um dragão?
  • — Não foi só ele! — Respondeu ela com ódio.
  • — Então… — Rima ainda estava chocada com toda a situação. — Se você fizer isso agora todo mundo vai vir pra cima da gente. Vamos tentar levar esse cara pra algum lugar aí a gente conversa com ele. — Ela deu ênfase na palavra “conversa”.
  • Bela deu de ombros, colocou o anel no dedo, voltando à forma humana, pegou o homem pela perna e saiu arrastando-o até a magos da liberdade. A cena era ainda mais estranha com a garotinha no lugar da draconata. Rima seguiu a garota, a busca pelo charlatão teria de ficar para depois. A menina bateu na porta e Bandek abriu-a.
  • — Você conhece esse cara? — Perguntou a draconata.
  • — Conheço! — Bandek pareceu surpreso — É o Zacharias . Ele é um pescador que nunca fez mal a ninguém! — Ele fez uma pausa, incrédulo. — O que você tá fazendo com ele?
  • — Olha o Zacharias acabou de entrar na nossa companhia de teatro. — Interrompeu Rima. — Entrem aí — disse o anão levando as mãos na cabeça — Vamos resolver isso lá dentro. Os três carregaram o homem até o salão principal e o colocaram no sofá, Bela puxou uma cadeira e o esperou acordar enquanto Rima explicava o ocorrido para Bandek.

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