Remove these ads. Join the Worldbuilders Guild
Mon 1st Feb 2021 05:28

A queda de Vargh

by Ahman the Green

Quando Vargh caiu entendi o que ele queria dizer com “por que aquele goblin filho de uma cadela imunda está sempre no lugar errado na hora errada?”. Claro que o “filho de uma cadela imunda” é por minha conta, o monge jamais proferiu palavras de baixo escalão.
 
Mas foi exatamente assim que eu pensei: “O que aquele monge filho de uma cadela imunda está fazendo ali lutando com aquele drow?”
 
Lembro de como Jinjar me olhou, logo que Vargh tocou o solo, seus olhos me perguntando se ele se levantaria de novo. Gosto de falar que o encarei de volta, com total confiança em meu olhar, que o inspirei a acreditar e que ele recebeu a resposta que eu gostaria de dar: “sim, ele só está desmaiado, já já acorda. Mas precisamos tirar ele dali”. Na hora eu não tinha certeza se tinha conseguido.
 
Porque, eu mesmo, não acreditava muito naquilo. O corte em Vargh era feio, feio pra caralho. Do jeito que ele caiu, não é todo mundo que se levanta.
 
Mas uma coisa era verdade, a gente precisava tirar ele dali. Isso se quiséssemos ter a mínima esperança de ver aquele grandão andando por aí de novo, pregando aquela maldita baboseira religiosa.
 
E, pensando agora, meu olhar deve ter passado a mensagem certa, porque aquele gnomo feioso me jogou a única besta que tínhamos, acenou com a cabeça e saiu correndo para fora do buraco. Correu em linha reta na direção de um Vargh caído. Na saída ainda teve a astúcia de me dizer “continue acertando esses filhos da puta enquanto eu salvo o dia”.
 
Bom, até tentei fazer o que ele me pediu, mirei com a besta, esperando para ver aquele par de orelhas pontudas e escuras surgindo atrás da pedra onde o drow se escondia. E estava ali, esperando, quando vi que Jinjar não iria salvar o dia. Aqueles dedos gorduchos não conseguiam estancar o sangue, até de onde eu estava dava para perceber que o monge estava mais pálido do que o normal.
 
Lembro de ter me xingado mentalmente enquanto jogava a besta nas costas e saia do buraco, seguindo o mesmo caminho que Jinjar havia percorrido segundos antes. “O que está fazendo Ahman? o que está fazendo seu goblin verde maldito? Quer morrer também?”
 
Mas fui.
 
Cheguei ao lado de Jinjar, que me olhava desesperado, vermelho dos pés a cabeça com sangue élfico, tentando estancar o sangue que saia do corte no peito de Vargh.
 
“Pode deixar comigo, só acerta o desgraçado que está tentando nos matar” Eu disse.
 
Ele pegou a besta em minhas costas e errou. Não sem antes perder mais 10 peças de ouro em uma de suas apostas idiotas. “Aposto 5 que agora acerto”.
 
Sei que o melhor teria sido ignorar, precisava me concentrar em meu amigo sangrando. Mas às vezes é irresistível, respondi “10 que você erra de novo”. Dito e feito.
Na hora não tinha muito que comemorar, voltei minha atenção para o sangue em minhas mãos, também não havia o que fazer. Só tinha substituído aquela mãozinha cinza escura do Jinjar pelas minhas verdes, o sangue continua a sair sem parar. Acho que elfos têm mais sangue do que as outras pessoas. Tudo bem que somos seres pequenos, mas eu e Jinjar ficamos totalmente vermelhos com o que saiu do elfo naquele dia.
 
Bom seja como for, foi aí que a calmaria me pegou. Aquela conhecida, muitas vezes esquecida.
 
Lembro de ter visto de canto de olho quando o Drow que Jinjar havia falhado em matar me atacou com sua cimitarra, tentando separar minha linda cabeça verde do meu lindo pescoço verde. O filho da puta acertou apenas a luz.
 
De onde veio a luz? Talvez você esteja se perguntando. Às vezes também me pergunto.

A verdade? Não sei. Mas de alguma forma, também veio de mim. Naquele momento, não podia me distrair, então o drow não me acertou, acertou apenas uma barreira física feita de ar e luz.
 
Estranho? Com certeza. As coisas podem ser estranhas à minha volta.
 
E a estranheza continuou, porque ao mesmo tempo que Jinjar finalmente conseguia carregar a besta e atravessar o olho do Drow com um de seus dardos. Dei um beijo em Vargh.
 
Porque fiz essa merda? Senti que era a coisa certa a se fazer. Aquele monge devia precisar de um pouco de amor antes de morrer. Foi como que um beijo de despedida. O único problema? Parece que aquele beijo o tirou dos braços da morte haha. Então é isso mesmo, nós dois estamos vivos para lembrar desse fato.
 
Ouvi falar que ele não incluiu esse detalhe no relatório que fez para sua ordem. Azar o dele, eu mesmo conto para todo mundo, afinal, deve ter sido o único beijo daquele grandão maneta.
 
Bom, ainda não havia acabado, eu e Jinjar fomos pegos de surpresa por mais um daqueles drows sujos. Ele chegou por trás, enquanto estávamos distraídos em salvar nosso amigo caído. Eu culpo Jinjar, ele é que deveria ter dado o alerta. Ao invés disso estava preocupado comemorando o tiro certeiro.
 
Sua comemoração não durou muito, o Drow atacou Jinjar pelas costas e conseguiu tirar sangue, não era horrível como o golpe que Vargh havia sofrido, mas deixou uma bela cicatriz em meu amigo baixinho. Ele deve estar por aí, hoje mesmo, mostrando-a em algum bordel.
 
Mas naquele momento foi desesperador, enquanto Jinjar tentava colocar mais um dardo na besta ele recebeu um segundo golpe e caiu inconsciente. Olhei rapidamente e ele não parecia estar morrendo, não dava para ter certeza na hora, depois eu precisaria dar uma olhada com cuidado.
 
Mas eu tinha preocupações mais imediatas, aquele Drow filho da puta não tinha ficado satisfeito em derrubar Jinjar ele estava vindo em minha direção e eu não tinha como me defender.
 
A sorte é que aquele gnomo de pele escura é realmente abençoado pelos deuses, de alguma forma, enquanto caia ele conseguiu fazer com que a besta chegasse bem perto das minhas mãos. Eu me arrastava pelo chão, tentando desviar de cortes mortais quando encontrei a arma carregada.
 
Em um só movimento levantei a mira e puxei o gatilho, vi quando acertei o coração. O dardo entrara bem abaixo da costela. Nem com um beijo meu aquele maldito sobreviveria, não que eu fosse beijar quem tentou me matar, né?
 
Mesmo assim, não sei como, ele ainda girava aquela espada medonha dele, tentando me acertar, talvez me levar para o túmulo com ele. Ainda bem que durou pouco, logo mais um dardo o acertou, dessa vez pelas costas.
 
Admito que fiquei surpreso em saber que alguém ainda estava de pé além de mim. Mas, com um tiro certeiro como aquele, eu sabia que Huragsh estava bem. Pelo menos bem o suficiente para acabar com aquele Drow.
 
Respirei três vezes, olhei para dois de meus amigos caídos perto de mim, vivos. Olhei para aquele mago nada confiável caído um pouco mais distante e ao lado daquele ser feioso, parecido com uma versão mais magra do Jinjar, também caído. Huragash, esse de pé, ainda segurava a besta, sorrindo. Aquele sorriso maníaco de quem sabe que escapou por pouco da morte.
 
Ainda olhava aquele sorriso quando senti uma fisgada nas entranhas, um medo instintivo, um alerta para todas as partes do seu corpo te dizendo para fugir, te dizendo que algo de ruim está para acontecer. O sorriso de Huragash desaparecendo em seu rosto, ele olhava fixamente para algo atrás de mim.
 
Olhei para trás para ver mais um drow, dessa vez uma fêmea. Nenhuma armadura, apenas seda. Se a situação fosse diferente, poderia dizer que ela era bem gostosa.
 
Mas a situação era aquela e eu tinha certeza, aquela maldita era pelo menos 10 vezes mais perigosa do que os caras que quase acabaram com a gente. Para piorar, ela estava fazendo uma coisa estranha.
 
Não sei como eu sabia naquela hora, mas eu sabia, ela estava tentando invocar alguma coisa ruim. Vocês sabem que eu sou um goblin, estou acostumado com coisas ruins, mas o que ela estava tentando trazer era pior do que os seus piores pesadelos.
 
Eu soube disso naquele momento e ainda tenho certeza agora.
 
Por isso lutei contra. Aquele medo dentro de mim desapareceu, aquela fisgada sumiu. Eu me levantei, enfrentei o olhar escuro no rosto daquela nova drow e lutei com toda a minha força para evitar que ela conseguisse trazer o que estava invocando.
 
Por um segundo eu imaginei que tinha conseguido, senti que estava vencendo aquele combate de energias. Mas foi só por um instante.
 
Enquanto eu tentava evitar que o pior acontecesse aquele monstro que ela tentava trazer me encontrou. Eu estava concentrado na maga drow e, quando percebi, ele estava dentro da minha cabeça.
 
Foi a pior sensação da minha vida. Foi como se eu me sentisse sujo de dentro pra fora. Foi como ser invadido por um milhão de vermes, como se minha própria mente fosse suja. Não no bom sentido da coisa, se é que me entende.
 
Não aguentei. Desmaiei.
 
Foi assim que fomos capturados novamente pelos drows. Já a história de como conseguimos escapar, pela segunda vez, da prisão de Velkynvelve, ah, essa vai ficar para outro dia.

Continue reading...

  1. A queda de Vargh